DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O Senado está verificando a qualidade do regime venezuelano e, em função desta avaliação política, decidirá se o barulhento vizinho tem o direito de pleitear o ingresso no seleto clube dos democratas do Mercosul. No primeiro exame, diante da Comissão de Relações Exteriores, o país de Hugo Chávez saiu-se bem: foi aprovado por 11 a 5. Falta submeter-se ao plenário dos senadores, gente de grande probidade e notório saber.
A pergunta que primeiro ocorre nada tem a ver com a nação avaliada, mas com os seus avaliadores: o Brasil passaria num vestibular de democracia organizado, digamos, na universidade americana como Yale, Harvard ou Columbia, num Enem da União Europeia ou mesmo num exame simulado na Corte de Haia?
Na última quinta, enquanto a Venezuela suava para passar no teste, a democracia brasileira sofria um espetacular revés quando se completaram 90 dias de censura prévia ao O Estado de S. Paulo para evitar que continuasse as revelações sobre o comércio de favores do clã do senador José Sarney. Não se trata de mordaça imposta por policiais, militares ou um truculento coronel local. A aberração foi produzida numa alta instância do Judiciário para blindar o chefe do Legislativo considerado pelo presidente da República (e chefe do Executivo), como garantidor da "segurança institucional". O ato censório, portanto, não decorreu de erro ou má-fé de um magistrado, reveste-se dos ouropéis de uma decisão de Estado. Zero em matéria de liberdade de expressão. Zero também em matéria de representação: o Senado da República perdeu a sua legitimidade – ou deixou de existir – quando ficou comprovada a edição de 600 atos secretos produzidos por seus altos burocratas com o conhecimento da mesa diretora, aliás, presidida pelo mesmo senador Sarney. A desmoralização do Legislativo não se limita à Câmara Alta: a Câmara Baixa, baixíssima, deixou de funcionar a partir da eleição do seu presidente, Michel Temer, atento quase que exclusivamente à viabilização da sua candidatura como vice na chapa oficial encabeçada pela ministra Dilma Rousseff. A dramática situação do Rio de Janeiro a mercê do narco-terrorismo encontra uma Câmara dos Deputados desnorteada, inoperante, abúlica, a serviço de perigosos lóbis – como a Bancada da Bala – empenhada unicamente em desmontar o Estatuto do Desarmamento de modo a permitir que as armas fabricadas no Brasil sejam encaminhadas diretamente à bandidagem.
Zero em matéria de isonomia: não há igualdade de direitos nem de deveres. As leis valem para aqueles que não têm condições, treino ou recursos para driblá-las. O cidadão, o contribuinte, o usuário dos serviços públicos e o consumidor são párias silenciosos. Não há tempo para ouvir reclamações nem espaço para espernear, os incomodados que se danem. Bancos, planos de saúde, serviços de telefonia e banda larga são capitanias despóticas onde a ineficiência é mascarada pela proliferação de robôs.
Zero em matéria de transparência: o Brasil não é um país de todos, é de alguns, os aparelhados pelas diferentes máquinas políticas. O último refúgio da autonomia individual – a liberdade de crer e descrer – foi derrubado através da concordata com o Vaticano mantida em segredo durante um semestre e depois enfiada pela goela dos eventuais descontentes com farta distribuição de concessões de radiodifusão e outros mimos.
A manutenção de um calendário eleitoral regular não garante a plenitude democrática. O respeito à Constituição pressupõe um atitude verdadeiramente reverencial de respeito ao espírito das leis. O compromisso de promover a alternância no poder precisa ser inequívoco, orgânico, indubitável, anterior ao início da corrida dos candidatos.
O diploma de democrata vale mais quando autenticado pelos oponentes. Hugo Chávez pode recebê-lo das mãos de Sarney que sempre se manifestou contra a entrada da Venezuela no Mercosul. Mas Sarney, hoje, é apenas uma obsessão: continuar na presidência do Senado.
» Alberto Dines é jornalista
O Senado está verificando a qualidade do regime venezuelano e, em função desta avaliação política, decidirá se o barulhento vizinho tem o direito de pleitear o ingresso no seleto clube dos democratas do Mercosul. No primeiro exame, diante da Comissão de Relações Exteriores, o país de Hugo Chávez saiu-se bem: foi aprovado por 11 a 5. Falta submeter-se ao plenário dos senadores, gente de grande probidade e notório saber.
A pergunta que primeiro ocorre nada tem a ver com a nação avaliada, mas com os seus avaliadores: o Brasil passaria num vestibular de democracia organizado, digamos, na universidade americana como Yale, Harvard ou Columbia, num Enem da União Europeia ou mesmo num exame simulado na Corte de Haia?
Na última quinta, enquanto a Venezuela suava para passar no teste, a democracia brasileira sofria um espetacular revés quando se completaram 90 dias de censura prévia ao O Estado de S. Paulo para evitar que continuasse as revelações sobre o comércio de favores do clã do senador José Sarney. Não se trata de mordaça imposta por policiais, militares ou um truculento coronel local. A aberração foi produzida numa alta instância do Judiciário para blindar o chefe do Legislativo considerado pelo presidente da República (e chefe do Executivo), como garantidor da "segurança institucional". O ato censório, portanto, não decorreu de erro ou má-fé de um magistrado, reveste-se dos ouropéis de uma decisão de Estado. Zero em matéria de liberdade de expressão. Zero também em matéria de representação: o Senado da República perdeu a sua legitimidade – ou deixou de existir – quando ficou comprovada a edição de 600 atos secretos produzidos por seus altos burocratas com o conhecimento da mesa diretora, aliás, presidida pelo mesmo senador Sarney. A desmoralização do Legislativo não se limita à Câmara Alta: a Câmara Baixa, baixíssima, deixou de funcionar a partir da eleição do seu presidente, Michel Temer, atento quase que exclusivamente à viabilização da sua candidatura como vice na chapa oficial encabeçada pela ministra Dilma Rousseff. A dramática situação do Rio de Janeiro a mercê do narco-terrorismo encontra uma Câmara dos Deputados desnorteada, inoperante, abúlica, a serviço de perigosos lóbis – como a Bancada da Bala – empenhada unicamente em desmontar o Estatuto do Desarmamento de modo a permitir que as armas fabricadas no Brasil sejam encaminhadas diretamente à bandidagem.
Zero em matéria de isonomia: não há igualdade de direitos nem de deveres. As leis valem para aqueles que não têm condições, treino ou recursos para driblá-las. O cidadão, o contribuinte, o usuário dos serviços públicos e o consumidor são párias silenciosos. Não há tempo para ouvir reclamações nem espaço para espernear, os incomodados que se danem. Bancos, planos de saúde, serviços de telefonia e banda larga são capitanias despóticas onde a ineficiência é mascarada pela proliferação de robôs.
Zero em matéria de transparência: o Brasil não é um país de todos, é de alguns, os aparelhados pelas diferentes máquinas políticas. O último refúgio da autonomia individual – a liberdade de crer e descrer – foi derrubado através da concordata com o Vaticano mantida em segredo durante um semestre e depois enfiada pela goela dos eventuais descontentes com farta distribuição de concessões de radiodifusão e outros mimos.
A manutenção de um calendário eleitoral regular não garante a plenitude democrática. O respeito à Constituição pressupõe um atitude verdadeiramente reverencial de respeito ao espírito das leis. O compromisso de promover a alternância no poder precisa ser inequívoco, orgânico, indubitável, anterior ao início da corrida dos candidatos.
O diploma de democrata vale mais quando autenticado pelos oponentes. Hugo Chávez pode recebê-lo das mãos de Sarney que sempre se manifestou contra a entrada da Venezuela no Mercosul. Mas Sarney, hoje, é apenas uma obsessão: continuar na presidência do Senado.
» Alberto Dines é jornalista
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