DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O Legislativo americano colaborou para desmontar os controles e enfraquecer as agências reguladoras
Antropóloga formada em Princeton, Karen Ho publicou um livro digno de figurar nas estantes dos leitores mais exigentes: "Liquidated, An Ethnography of Wall Street" (Duke University Press, 2009). Ela apresenta, em linguagem clara e acessível, os resultados de uma pesquisa realizada na tribo dos senhores da finança global. Nos bastidores dos "abstratos" e fracassados modelos de risco e de precificação de ativos movimentava-se a soberba de indivíduos de carne e osso, convencidos de sua supremacia social, intelectual e moral. O protagonista central da epopeia malograda é o "investment banker".
Não se trata do banqueiro tradicional, mas do executivo ou alto funcionário do banco de investimento, recrutado nas universidades da Yvy League, sobretudo em Princeton e em Harvard. Essa é figura nuclear do surto de criatividade agressiva que levou o planeta à catástrofe financeira. Movidos a bônus de grosso calibre, submetidos a um ritmo de trabalho alucinante e a uma concorrência darwinista (ameaçados de perder o emprego), esses personagens construíram um consenso cego e desprovido de autocrítica a respeito de suas virtudes e qualidades.
Os sabichões formados em Princeton e em Harvard usaram e abusaram do que Karen Ho chama os modelos sofisticados de "inovações de curto prazo, sem nenhuma estratégia". Um modo gentil de designar a ganância engalanada de letras gregas. Essas "manobras de alto nível" não desprezavam escaramuças mais grosseiras, como recomendar aos clientes a aquisição de ações que formavam suas próprias carteiras ou "pegar a laço" devedores sem condições de servir as dívidas contraídas.
Mas nada teria funcionado sem a colaboração dos republicanos Reagan e Bushs 1 e 2, mais o democrata Clinton. Com o auxílio deles, o lobby de Wall Street voltou a dominar os plenários do Congresso e os escritórios do Executivo. O Legislativo dos EUA colaborou decisivamente para desmontar os controles e enfraquecer a capacidade de supervisão e de controle das agências reguladoras.
A lei Sarbannes-Oxley foi aprovada a contragosto, depois da sucessão de escândalos corporativos, as peripécias da Enron, Worldcom e outras menos votadas. Considerada excessivamente rigorosa por Henry Paulson, o secretário do Tesouro dos EUA, a lei ficou na marca do pênalti até 2007. Dura ou não, ela foi impotente para conter a explosão do crédito que levou à exasperação as práticas "criativas" e frequentemente fraudulentas dos mercados. Os criativos inventaram "novidades", manipularam preços de ativos, engambelaram clientes e devedores "sem lenço nem documento".
Terminava o artigo quando soube que a Câmara aprovou o projeto de regulamentação financeira. Há sinais de que os legisladores levaram em conta as provas contundentes da promiscuidade entre desregulamentação e as tropelias audaciosas e arriscadas. Ainda assim, barbas de molho: mesmo depois da salvadora intervenção do governo, a cultura de Wall Street não perdeu a pose. Voltou à soberba de sempre, disposta a usar quaisquer argumentos para desqualificar as críticas aos métodos usados no ciclo financeiro recente.
Luiz Gonzaga Belluzzo , 67, é professor titular de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
O Legislativo americano colaborou para desmontar os controles e enfraquecer as agências reguladoras
Antropóloga formada em Princeton, Karen Ho publicou um livro digno de figurar nas estantes dos leitores mais exigentes: "Liquidated, An Ethnography of Wall Street" (Duke University Press, 2009). Ela apresenta, em linguagem clara e acessível, os resultados de uma pesquisa realizada na tribo dos senhores da finança global. Nos bastidores dos "abstratos" e fracassados modelos de risco e de precificação de ativos movimentava-se a soberba de indivíduos de carne e osso, convencidos de sua supremacia social, intelectual e moral. O protagonista central da epopeia malograda é o "investment banker".
Não se trata do banqueiro tradicional, mas do executivo ou alto funcionário do banco de investimento, recrutado nas universidades da Yvy League, sobretudo em Princeton e em Harvard. Essa é figura nuclear do surto de criatividade agressiva que levou o planeta à catástrofe financeira. Movidos a bônus de grosso calibre, submetidos a um ritmo de trabalho alucinante e a uma concorrência darwinista (ameaçados de perder o emprego), esses personagens construíram um consenso cego e desprovido de autocrítica a respeito de suas virtudes e qualidades.
Os sabichões formados em Princeton e em Harvard usaram e abusaram do que Karen Ho chama os modelos sofisticados de "inovações de curto prazo, sem nenhuma estratégia". Um modo gentil de designar a ganância engalanada de letras gregas. Essas "manobras de alto nível" não desprezavam escaramuças mais grosseiras, como recomendar aos clientes a aquisição de ações que formavam suas próprias carteiras ou "pegar a laço" devedores sem condições de servir as dívidas contraídas.
Mas nada teria funcionado sem a colaboração dos republicanos Reagan e Bushs 1 e 2, mais o democrata Clinton. Com o auxílio deles, o lobby de Wall Street voltou a dominar os plenários do Congresso e os escritórios do Executivo. O Legislativo dos EUA colaborou decisivamente para desmontar os controles e enfraquecer a capacidade de supervisão e de controle das agências reguladoras.
A lei Sarbannes-Oxley foi aprovada a contragosto, depois da sucessão de escândalos corporativos, as peripécias da Enron, Worldcom e outras menos votadas. Considerada excessivamente rigorosa por Henry Paulson, o secretário do Tesouro dos EUA, a lei ficou na marca do pênalti até 2007. Dura ou não, ela foi impotente para conter a explosão do crédito que levou à exasperação as práticas "criativas" e frequentemente fraudulentas dos mercados. Os criativos inventaram "novidades", manipularam preços de ativos, engambelaram clientes e devedores "sem lenço nem documento".
Terminava o artigo quando soube que a Câmara aprovou o projeto de regulamentação financeira. Há sinais de que os legisladores levaram em conta as provas contundentes da promiscuidade entre desregulamentação e as tropelias audaciosas e arriscadas. Ainda assim, barbas de molho: mesmo depois da salvadora intervenção do governo, a cultura de Wall Street não perdeu a pose. Voltou à soberba de sempre, disposta a usar quaisquer argumentos para desqualificar as críticas aos métodos usados no ciclo financeiro recente.
Luiz Gonzaga Belluzzo , 67, é professor titular de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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