domingo, 13 de dezembro de 2009

Todos querem ser o herdeiro de Bachelet

DEU EM O GLOBO

Programas sociais dão quase 80% de popularidade à presidente do Chile, país sem reeleição. Candidatos tentam ligar nome a ela

Cristina Azevedo Enviada especial • SANTIAGO

Michelle Bachelet está viva, bem viva.

Mas os candidatos que disputam hoje o primeiro turno das eleições presidenciais chilenas lutam por sua herança. Líder nas pesquisas de intenção de voto, Sebastián Piñera, da Coalizão para a Mudança, prometeu ampliar as políticas sociais da presidente e até incluiu em sua propaganda na TV uma foto com ela, embora seja da oposição.

O independente Marco Enríquez-Ominami criticou a Concertação, da qual fez parte, mas não atacou diretamente Bachelet. E Eduardo Frei, candidato da coalizão de governo, ao ver os adversários tentando se apoderar da figura da presidente, bradou, irritado: — Eu sou o herdeiro de Michelle Bachelet! Ao fim de quatro anos de governo, a primeira mulher a ocupar a Presidência no país tem quase 80% de aprovação, o maior índice de popularidade de um presidente chileno. Com sua imagem embalada pela ampliação das políticas sociais, há quem fale num retorno dela daqui a quatro anos, já que o Chile não permite a reeleição consecutiva.

— A presidente ampliou a proteção social.

Ela aumentou enormemente a cobertura de saúde para toda a população e foi muito próativa com as mulheres — explicou o jornalista e analista político Raúl Shor.

Ainda há grande desigualdade, mas os números animam. Nos últimos 20 anos de governo da Concertação, o Chile reduziu a pobreza de 38% para 13,7%, e a indigência despencou de 13% para 3,2% — embora alguns contestem a forma de medição. Por outro lado, o desemprego quase chega a dois dígitos, ficando em 9,7% no trimestre agosto-outubro. Seu sucessor terá que lidar também com um sistema educacional no qual a rede privada é eficiente e cara; mas a rede municipal é fraca. E também terá que realizar uma possível reforma tributária para financiar as crescentes demandas do sistema de saúde.

Isso não abate a feirante Paola Espinoza, que aos 38 anos vai poder sair da casa dos pais, onde morava com o marido e os três filhos. Ao todo, eram 22 pessoas numa casa de seis cômodos.

— Ainda não tenho tudo, mas vamos entrar na nossa casa segunda-feira — contou.

Paola mora em La Legua, uma comunidade pobre de San Joaquín, zona metropolitana de Santiago. Ela é o que o governo considera uma pessoa vulnerável — mulher chefe de família, com o marido doente, filhos, vivendo numa casa superlotada e trabalhando com os pais. No Chile, onde a renda mínima está em cerca de R$ 600, a classificação não é por salário, mas pelo “nível de vulnerabilidade”, implantado pelo governo Bachelet

Presença da mulher na sociedade aumentou

Paola investiu cerca de R$ 1.600. O Estado pagou o restante no programa Fundo Solidário de Habitação, que já atendeu 400 mil famílias em dois anos. A família escolhe entre os locais apresentados pelo governo e entre uma lista de construtoras para executar o projeto. Paola não é beneficiada apenas por esse programa.

O filho está estudando medicina de graça. De cada dez chilenos que ingressam na universidade, sete são os primeiros de suas famílias a chegar ao nível superior.

Há os mais diversos programas. O Bônus por Filho faz uma espécie de poupança, que é depositada na conta de Previdência da mulher quando ela chega aos 65 anos. O Chile Cresce Contigo acompanha crianças do momento da gestação até os 4 anos. Há ainda outros, como bolsas de estudo e o Chile Solidário, uma rede de proteção social para as famílias mais vulneráveis e que se tornou uma espécie de cartão de apresentação do governo — como o Bolsa Família no Brasil.

Hoje, 70% do orçamento público vão para as políticas sociais, avalia Clarisa Hardy, assessora de Bachelet e ex-ministra de Planejamento.

— Mudou a maneira de o Estado se comprometer com a sociedade. A legislação hoje assegura que esses direitos são garantidos.

E direitos não podem ser suspensos. Só se pode aprovar um programa se há meios de mantê-lo — explicou.

Boa parte das políticas afetou diretamente a vida das mulheres. Mas Clarisa acha que a principal mudança nos quatro anos de governo Bachelet foi cultural. Mulheres de até 35 anos estão ingressando maciçamente no mercado de trabalho. Segundo ela, já existe uma percepção de mudança nas relações cotidianas.

Nomeações de mulheres não chegam mais a ser surpresa no conservador Chile, a começar pelo próprio Gabinete de Bachelet: em 2005 havia cinco ministras. No ano passado já eram 22, quase 50% do Ministério.

— Hoje uma menina já pode aspirar ser presidente da República — disse Clarissa. — Ganhamos na batalha das ideias. Mas resta ver o que a direita entende por política social.

Nem sempre a popularidade de Bachelet esteve no alto. No início do governo, enfrentou fortes protestos de estudantes secundaristas.

As políticas sociais ainda não mostravam resultados, e seu índice de aprovação rondava os 30%.


O panorama começou a mudar nos dois últimos anos e, durante a crise econômica, ela criou mais um plano, desta vez de emergência, para gerar postos de trabalho sempre que o desemprego atinja dois dígitos. A rede de atendimento de saúde também foi estendida, assim como a cobertura de doenças. A classe média se queixa, mas os chilenos em geral acham que a situação está melhor.

— Vou votar em Piñera, mas se Bachelet se candidatar daqui a quatro anos, voto nela novamente — disse o motorista Juan Carlos Moreno.


INDEPENDENTE

Marco Enriquez-Ominami, 36 anos Cineasta e filósofo, aos 5 meses deixou o país e foi criado na França por uma década, pois a família era perseguida por Pinochet. Teve o pai médico, guerrilheiro esquerdista, morto pelo governo militar que derrubou Salvador Allende.

Foi adotado pelo economista e político Carlos Ominami, atual marido de sua mãe e hoje senador socialista, de quem adotou o sobrenome. Foi eleito deputado em 2005 pelo Partido Socialista. Deixou a legenda para se lançar candidato independente. Seus votos podem ser decisivos em um possível segundo turno entre Frei e Piñera. Define-se como progressista. É casado com uma âncora de TV, tem duas filhas

PROPOSTAS


• Abrir até 5% da propriedade da Codelco a trabalhadores ou a um fundo de pensão estatal

• Reforma tributária com aumento de impostos para mineradoras, hidrelétricas, empresas de bebidas alcoólicas para financiar a educação

• Aumentar o papel do Estado em transporte, saúde, habitação e previdência social

• Instaurar a figura do primeiro-ministro

• Estabelecer um pacto de união civil para acabar com problemas de herança e outros direitos para casais homossexuais

COALIZÃO PELO CÂMBIO

União Democrata Independente (UDI), Renovação Nacional (RN) e Chile Primeiro Sebastián Piñera, 60 anos Economista, investidor e político. Foi militante da Renovação Nacional, ex-senador por Santiago (1990-1998) e candidato à Presidência (2005), sendo derrotado no segundo turno por Michelle Bachelet. Dos 45 projetos que impulsionou no Senado, apenas um virou lei. É listado pela Forbes (2009) como o 701º mais rico do mundo, com uma fortuna de US$ 1 bilhão. Possui participação em empresas variadas, como o time de futebol Colo Colo, a companhia aérea LAN Chile e a TV Chilevisión. É o favorito, mas não deve conseguir evitar um segundo turno. Caso vença, seria o primeiro presidente eleito pela direita após o fim da ditadura Pinochet pondo fim a duas décadas de governos da Concertação, de centro-esquerda

PROPOSTAS

• Usar incentivos tributários e subsídios ao emprego para reativar a economia

• Pode vender até 20% da estatal Codelco, maior produtora de cobre do mundo, principalmente para fundos de pensões, assim como da petroleira ENAP

• Introduzir direitos legais para casais do mesmo sexo

• Extensão da licença-maternidde de 3 para 6 meses

• Colocar mais 10 mil policiais nas ruas

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