Toda escolha de adoção de políticas econômicas envolve, além da necessidade de decidir no timing adequado, incorrer em algum custo. "Não existe almoço grátis", profetizava o monetarista ícone do liberalismo e Prêmio Nobel de Economia Milton Friedman (1912-2006) num outro contexto, mas que pode ser adaptado perfeitamente à questão em tela.
No caso brasileiro tem sido recorrente, porém nem sempre de forma completa, o questionamento de algumas das escolhas das políticas econômicas. É o caso, por exemplo, dos bancos públicos. Diante da escassez de crédito e financiamento internacionais no período imediatamente posterior à crise com a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, o governo brasileiro tomou uma decisão pertinente de ampliar a capacidade de empréstimo dos bancos públicos, especialmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Antes disso, escolado com a recorrência das crises de balanço de pagamentos, o Brasil, assim como outros países não emissores de moedas não conversíveis, tomou a decisão sensata de ampliar o seu volume de reservas cambiais. Isso não evitava os efeitos das crises, mas os amenizava, como ficou claro.
Não fossem o suporte dos financiamentos públicos, substituindo em muitos casos as linhas de financiamento externas, que secaram, e, por outro lado, o fato de o País dispor de um volume expressivo de reservas cambiais, os efeitos da crise teriam sido muito mais intensos no Brasil. O Produto Interno Bruto (PIB) teria caído muito mais do que o 0,6% verificado em 2009, assim como a recuperação rápida e a expansão de quase 8% em 2010 não teriam sido viáveis.
Como o PIB brasileiro é estimado em R$ 3,5 trilhões, cada ponto porcentual (p.p.) de crescimento representa R$ 35 bilhões de renda. Suponhamos que as decisões de políticas econômicas tenham propiciado 2 p.p. a mais no crescimento econômico. Isso gera uma atividade econômica de R$ 70 bilhões. O exemplo vale para ilustrar que os "custos" das políticas econômicas têm de ser mensurados levando-se em conta o seu benefício.
O cálculo nem sempre é fácil de ser feito, porque muitas vezes envolve fatores de difícil mensuração. Mas isso não pode servir de álibi para desprezar a avaliação do benefício de cada medida. Até porque seria uma análise incorreta. É relativamente simples calcular o custo da escolha e implementação das duas decisões de política econômica citadas. Cálculos simples do "custo" das decisões sempre ganham espaço generoso na mídia!
Que lições podemos tirar da experiência recente na economia brasileira? Esse é o ponto que deveria nortear um debate mais qualificado, menos ideologizado e mais pragmático a respeito das políticas econômicas.
Diante de um alegado risco de elevação da inflação, observa-se um relativo consenso pelo aumento da taxa de juros básica. Até porque a maioria não deseja inflação elevada. Mas qual o custo dessa escolha? Há vários, dentre eles o aumento dos gastos públicos com o financiamento da dívida pública, que custou R$ 195 bilhões em 2010 (5,5% do PIB!).
Outra questão é a política cambial. As vantagens proporcionadas por uma taxa de câmbio valorizado, como a que experimentamos no Brasil, são de curto prazo, enquanto comprometem o futuro. O câmbio valorizado, juntamente com os fatores de competitividade sistêmica desfavoráveis, está provocando dois efeitos deletérios para a economia brasileira: a desindustrialização e a deterioração das contas externas. Isso tem um elevado custo para o desenvolvimento do País.
A questão cambial é um exemplo típico de escolha que favorece só o curto prazo. O dólar barato proporciona a aquisição de produtos importados e a realização de viagens internacionais a um custo baixo, o que é sempre muito apreciado por grande parte da opinião pública. No entanto, nem sempre ficam claros os seus efeitos, que comprometem o longo prazo, pois roubam crescimento da economia, tornam-nos mais vulneráveis e dependentes de financiamento externo e menos diversificados na produção e exportação, excessivamente centradas em commodities.
Precisamos criar mais espaços de discussão das políticas econômicas, seus custos e benefícios, levando em conta não só o curto, mas o médio e o longo prazos. Isso implica democratizar as informações, assim como diversificar as visões, considerando não apenas escolas variadas de pensamento econômico, mas também todos os setores da economia.
A discussão deve ser ampliada, tanto com os Poderes quanto na mídia, na academia e nas demais entidades representativas da sociedade. Não se trata, evidentemente, de uma prática fácil. Os temas em geral são complexos e nem sempre as pessoas estão dispostas a investir seu tempo e sua energia com assuntos áridos. Mas, como não existe visão neutra em política econômica, o mínimo de cuidado que devemos ter é o de diversificar o debate. Até porque, do contrário, o risco é o de nos tornarmos reféns de uma única via, que pode favorecer alguns, mas não o todo.
Economista, Doutor pelo IE/UNICAMP, Professor-Doutor do Departamento de Economia da PUC-SP, é coautor, entre outros livros, de "Economia brasileira" (Saraiva)
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
No caso brasileiro tem sido recorrente, porém nem sempre de forma completa, o questionamento de algumas das escolhas das políticas econômicas. É o caso, por exemplo, dos bancos públicos. Diante da escassez de crédito e financiamento internacionais no período imediatamente posterior à crise com a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, o governo brasileiro tomou uma decisão pertinente de ampliar a capacidade de empréstimo dos bancos públicos, especialmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Antes disso, escolado com a recorrência das crises de balanço de pagamentos, o Brasil, assim como outros países não emissores de moedas não conversíveis, tomou a decisão sensata de ampliar o seu volume de reservas cambiais. Isso não evitava os efeitos das crises, mas os amenizava, como ficou claro.
Não fossem o suporte dos financiamentos públicos, substituindo em muitos casos as linhas de financiamento externas, que secaram, e, por outro lado, o fato de o País dispor de um volume expressivo de reservas cambiais, os efeitos da crise teriam sido muito mais intensos no Brasil. O Produto Interno Bruto (PIB) teria caído muito mais do que o 0,6% verificado em 2009, assim como a recuperação rápida e a expansão de quase 8% em 2010 não teriam sido viáveis.
Como o PIB brasileiro é estimado em R$ 3,5 trilhões, cada ponto porcentual (p.p.) de crescimento representa R$ 35 bilhões de renda. Suponhamos que as decisões de políticas econômicas tenham propiciado 2 p.p. a mais no crescimento econômico. Isso gera uma atividade econômica de R$ 70 bilhões. O exemplo vale para ilustrar que os "custos" das políticas econômicas têm de ser mensurados levando-se em conta o seu benefício.
O cálculo nem sempre é fácil de ser feito, porque muitas vezes envolve fatores de difícil mensuração. Mas isso não pode servir de álibi para desprezar a avaliação do benefício de cada medida. Até porque seria uma análise incorreta. É relativamente simples calcular o custo da escolha e implementação das duas decisões de política econômica citadas. Cálculos simples do "custo" das decisões sempre ganham espaço generoso na mídia!
Que lições podemos tirar da experiência recente na economia brasileira? Esse é o ponto que deveria nortear um debate mais qualificado, menos ideologizado e mais pragmático a respeito das políticas econômicas.
Diante de um alegado risco de elevação da inflação, observa-se um relativo consenso pelo aumento da taxa de juros básica. Até porque a maioria não deseja inflação elevada. Mas qual o custo dessa escolha? Há vários, dentre eles o aumento dos gastos públicos com o financiamento da dívida pública, que custou R$ 195 bilhões em 2010 (5,5% do PIB!).
Outra questão é a política cambial. As vantagens proporcionadas por uma taxa de câmbio valorizado, como a que experimentamos no Brasil, são de curto prazo, enquanto comprometem o futuro. O câmbio valorizado, juntamente com os fatores de competitividade sistêmica desfavoráveis, está provocando dois efeitos deletérios para a economia brasileira: a desindustrialização e a deterioração das contas externas. Isso tem um elevado custo para o desenvolvimento do País.
A questão cambial é um exemplo típico de escolha que favorece só o curto prazo. O dólar barato proporciona a aquisição de produtos importados e a realização de viagens internacionais a um custo baixo, o que é sempre muito apreciado por grande parte da opinião pública. No entanto, nem sempre ficam claros os seus efeitos, que comprometem o longo prazo, pois roubam crescimento da economia, tornam-nos mais vulneráveis e dependentes de financiamento externo e menos diversificados na produção e exportação, excessivamente centradas em commodities.
Precisamos criar mais espaços de discussão das políticas econômicas, seus custos e benefícios, levando em conta não só o curto, mas o médio e o longo prazos. Isso implica democratizar as informações, assim como diversificar as visões, considerando não apenas escolas variadas de pensamento econômico, mas também todos os setores da economia.
A discussão deve ser ampliada, tanto com os Poderes quanto na mídia, na academia e nas demais entidades representativas da sociedade. Não se trata, evidentemente, de uma prática fácil. Os temas em geral são complexos e nem sempre as pessoas estão dispostas a investir seu tempo e sua energia com assuntos áridos. Mas, como não existe visão neutra em política econômica, o mínimo de cuidado que devemos ter é o de diversificar o debate. Até porque, do contrário, o risco é o de nos tornarmos reféns de uma única via, que pode favorecer alguns, mas não o todo.
Economista, Doutor pelo IE/UNICAMP, Professor-Doutor do Departamento de Economia da PUC-SP, é coautor, entre outros livros, de "Economia brasileira" (Saraiva)
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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