segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Herança onerosa :: Paulo Brossard

À medida que passam os dias, mais grotesca se torna a legenda que o ex-presidente lançou sob a mais intensa publicidade acerca de seus oito anos de governo, o maior e melhor de todos os governos de todos os tempos.

Basta dizer que a primeira medida tomada sob a atual administração, mas anunciada ao tempo da anterior, foi a que elevou a taxa Selic, com o escopo confesso de frear o avanço da inflação. Importa isto em dizer que o recrudescimento do flagelo foi reconhecido e anunciado pelo maior e melhor de todos os governos, em sua fase terminal.

Não discuto se a medida é adequada nem que era inevitável. Registro o fato. Se era inafastável e apropriada, evidencia, antes de tudo, que os oito anos decorridos não poderiam ser ostentados como modelares. Mas ainda há a ponderar que os continuadores da diretriz anterior não se contentaram com o feito, mas foram explícitos em adiantar que a providência há de ser reiterada em número não preciso. Outrossim, não posso deixar de salientar que, enquanto o governo passado via seus dias encurtarem, gastava cada vez mais, para, quiçá, abafar com o ruído festivo a voz dos ruídos sociais.

Vejo, por exemplo, “que Lula bateu recorde de gastos” (é a manchete de grande jornal), seguida deste subtítulo: “Despesas do Tesouro, INSS e Banco Central, que em 2003 representavam 15,14% do PIB, atingiram 19,14% oito anos depois”; já os restos a pagar, que andam pela casa dos bilhões, é para conversa à parte, tamanha sua significação. Diferente, mas não menos relevante, foi a descoberta e revelação da situação alarmante das quase abandonadas fronteiras que se estendem por milhares de quilômetros, desde o Amapá, acima da linha equatorial, até o sul do país, outro tema a exigir prosa particular.

Entro em outro assunto distinto dos anteriores, apenas indicados. Também no apagar das luzes dos oito anos iluminados, foi divulgado que os créditos tributários federais se elevam a cerca de R$ 400 bilhões. “Cerca de”, não se sabe bem quanto. Contudo, a minúcia não é irrelevante, pois, seja qual for o nome que se lhe dê, será sempre monstrum horrendum.

Pois bem, desses R$ 400 bilhões arredondados, metade não passa de ficção, dado que incobráveis os valores. Apagados ou extintos, não fariam mossa ao erário exatamente porque inexigíveis; pelo menos deixariam de molestar milhares de pessoas todos os dias e por longos dias. Não há quem ignore que cada vez mais pessoas são chamadas a provar, mediante certidão, não serem devedores ao fisco. Já se disse que, entre nós, o tempo que se gasta para abrir um negócio, mesmo pequeno, é maior do que na generalidade dos países, e também é certo que tempo maior é perdido para encerrá-lo, não só perdido, pois ainda impedido de empregá-lo em atividade útil e em proveito próprio e da comunidade.

A pessoa fica como que cadaverizada por longo tempo, ou embalsamada, ainda que não esteja realmente defunta. Vejo que finda meu espaço de jornal e não esgotei outros aspectos do problema, que são ilustrativos. E não podem ser deslembrados os casos em que o fisco exige tributos sabendo que não pode fazê-lo, contando com o tempo e a incúria de muitos, sem falar na gula em usar os depósitos judiciais em seu benefício, cada vez mais utilizados embora seja mero depositário e como tal não tenha o poder de disposição. Continuarei se valer a pena. E vale.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

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