O terremoto no Japão estremeceu a indústria de energia nuclear. Ele aconteceu quando a confiança nessa matriz estava em alta. Governos influentes, como o de Barack Obama, anunciaram planos de expansão do nuclear. O momento era bom no plano das ideias. Autor de Gaia, um famoso livro sobre meio ambiente, James Lovelock defendeu as usinas nucleares, considerando os perigos do aquecimento global e as circunstâncias europeias.
O impacto da posição de Lovelock foi muito grande, entusiasmando políticos e lobistas a iniciarem uma nova ofensiva. Além de todas as suas vantagens, a energia nuclear era considerada uma saída inteligente para atenuar os males do aquecimento.
A tendência geral alterou-se, no momento. Pesquisas nos EUA revelaram que o apoio ao nuclear caiu de 56% para 47%. E na Alemanha, onde é forte a oposição popular às usinas nucleares, os verdes derrotaram a Democracia Cristã em Baden-Württemberg. A Alemanha é o berço do movimento antinuclear que deu origem ao mais forte partido de ecologistas da Europa. Atenta a essa singularidade, a primeira-ministra Angela Merkel anulou uma decisão anterior que prolongava a vida das usinas existentes.
Todos os desastres em usinas nucleares embaralham um pouco as relações no setor. Fukushima aconteceu num país democrático, obrigado a informar com constância o estado dos reatores, turbinas e piscinas de material usado. Nesse sentido, é um desastre próximo, o primeiro a acontecer num contexto de comunicações mais rápidas. Ainda assim, 57% dos japoneses condenam a maneira como o governo e a empresa de eletricidade conduziram o processo. Notícias desencontradas surgiram desde o início e até recentemente havia dúvidas quanto ao nível de contaminação da água no reator 2.
Choque maior para os estudiosos foi constatar que o Japão, um país tecnológico, estava trabalhando com conceitos antigos e não tirou proveito das modernas ciências da sismologia e avaliação de riscos. Até certo ponto isso era justificável no passado. O engenheiro Tsuneo Futami, que foi diretor da Tóquio Eletricidade e participou da construção de Fukushima, afirma que a palavra tsunami não passava pela cabeça de ninguém.
De fato, apesar de registros de tsunamis em outros séculos no Japão, a palavra só foi incorporada à linguagem cotidiana nos últimos sete anos. A empresa procurou, de certa forma, uma defesa contra tsunamis. E procurou construindo uma barreira de defesa concebida para enfrentar o mais forte terremoto e as mais altas ondas conhecidas. Só que o mais forte estava por vir e as barreiras se mostraram frágeis para conter as águas.
Todos os países, menos o Brasil, logo decidiram rever suas normas de segurança. O argumento das autoridades era o de que as instalações seriam seguras e aqui não aconteceria um desastre como o de Fukushima. Nada a revisar, portanto.
Felizmente, essa posição defensiva durou pouco. O próprio ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, anunciou que o País iria reavaliar as condições de segurança de suas usinas. Ato contínuo, a direção da Eletronuclear afirmou que iria examinar as condições das encostas em Angra e contratar uma auditoria externa. Em 1985 houve um deslizamento na área da usina, soterrando o laboratório de radioecologia.
O mais interessante viria 24 horas depois do anúncio. A empresa estava planejando a construção de dois píeres para permitir a fuga pelo mar.
Mesmo antes de uma auditoria, tanto a Eletronuclear como todos os que trabalham com o tema sabem que a BR-101 é muito frágil para ancorar um plano de fuga. Na verdade, se for submetida a uma análise científica moderna, terá de receber novo traçado.
No dia em que acompanhei a simulação de um plano de fuga, o policial rodoviário que veio nos dar cobertura morreu no caminho, vítima de um desastre na estrada. E a sirene não funcionava. Parte dos moradores estava preparada para fugir, mas não havia trabalho voltado para os turistas: um acidente teria de acontecer no inverno e no meio da semana.
Ao focar a auditoria de segurança nas encostas, a Eletronuclear projeta os problemas para fora da usina, na presunção de que no interior está tudo bem. Os EUA foram um pouco adiante e se perguntaram qual o nível de segurança dos seus geradores de reserva. Esse é o nosso caminho, mesmo sabendo que não haverá terremotos ou tsunamis no Atlântico.
Mas o debate mais amplo é inevitável. Devemos ou não construir usinas nucleares? As condições de agora não precisam ser tão emocionais como foram no passado. Uma simples discussão sobre futuras usinas pode subestimar o debate sobre as que já existem e precisam de atenção.
Mesmo num país como a Alemanha, onde o tema é mais empolgante, não há razão para grandes dramas. Embora EUA e China já trilhem mais discretamente o caminho, a Alemanha está bem adiantada no desenvolvimento da energia solar. Há alguns anos era apenas uma ideia, hoje é uma realidade na forma de dezenas de usinas no mundo, milhares de empregos.
A tragédia no Japão colheu-nos num momento da história em que é possível exigir das usinas existentes uma ampla revisão de suas normas e, simultaneamente, apontar as energias alternativas, sobretudo a solar e suas variáveis, como a saída para o impasse.
Possivelmente conviveremos com o nuclear e o solar por muito tempo. A existência de uma nova matriz exigirá que antiga se reformule para melhor até que o curso dos anos e as lutas simbólicas definam se apenas uma delas vai sobreviver.
Lobão e governo brasileiro são ainda refratários ao solar. No entanto, a primeira usina nacional funcionará em breve no Ceará. O desempenho dela e dezenas de outras maiores, espalhadas pelo mundo, vai dar um novo tom à discussão. Saem os slogans, entram os fatos. Fukushima, Hiroshima, na paz e na guerra, alguns desses fatos vieram do Japão.
Jornalista
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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