Os bancos públicos sempre financiaram o desmatamento da Amazônia. Mas, desta vez, o Ministério Público está acusando o Banco do Brasil e o Banco da Amazônia de descumprirem resolução do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central. É isso que tornou a Ação Civil Pública do MP do Pará mais grave. Em 2008, o CMN e o BC proibiram crédito a quem não cumprisse a lei ambiental e fundiária.
Agora, quase três anos depois de a resolução estar em vigor, o Ministério Público mostrou que o Banco da Amazônia (Basa) concedeu R$18 milhões e o Banco do Brasil, R$8 milhões, a empresas sem o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural, o documento que prova que a propriedade é legal e não grilada. Os beneficiados não têm também licença ambiental e alguns deles foram autuados pelo Ibama, e há até casos de flagrante de trabalho em condições degradantes.
O valor pode parecer pouco perto dos bilhões de créditos concedidos a produtores rurais, mas os procuradores fizeram o levantamento só de uma amostra e apenas no Pará. E encontraram 37 empréstimos concedidos a quem tinha uma ou todas as irregularidades pelo Basa, e 55 desses empréstimos no Banco do Brasil. Procurei os dois bancos. O Basa respondeu que não iria responder por não ter a ação em mãos.
É esquisito um país em que uma resolução do Banco Central manda cumprir a lei. Mas isso é o Brasil. A resolução 3545 do CMN/Bacen é para sanar a contradição do governo: de um lado, diz estar combatendo o desmatamento; de outro, bancos públicos financiam quem está irregular do ponto de vista fundiário, ambiental e trabalhista. Os bancos devem ter achado que a resolução era só para inglês ver, mas os procuradores foram ver também. E entraram ontem com uma Ação Civil Pública contra os bancos pedindo que eles façam uma auditoria nos seus próprios empréstimos, que quantifiquem o dano causado por estes créditos e que paguem uma indenização à coletividade. O dinheiro iria para um fundo gerido pelo Ministério da Justiça, para ações de recuperação ambiental.
No Brasil, há leis que pegam e outras que não pegam. Pelo visto, o mesmo acontece com resolução de autoridade monetária. Segundo os termos da Ação, os bancos abusam dos termos "responsabilidade socioambiental" e "sustentabilidade" e concedem empréstimos irregulares. Os procuradores acharam as informações indo aos cartórios dos municípios que estão entre os conhecidos campeões de desmatamento e verificaram os registros de cédula de crédito rural. O pior é que são créditos subsidiados com fundos públicos. Tudo parece espantosamente velho, porque sempre foi assim: dinheiro público subsidiado é concedido a desmatadores e grileiros.
E, no entanto, a terra se move. Há avanços importantes na Amazônia. No próprio Pará, o Ministério Público tem conseguido convencer produtores rurais e pecuaristas a se regularizar. Há prefeitos mobilizados no trabalho de convencimento. Por isso, ao mesmo tempo em que ajuizavam a ação, os procuradores mandaram um documento para entidades empresariais do Pará e aos prefeitos que estão no movimento Município Verde explicando o sentido da ação. Segundo o MP, "a concessão irregular do crédito aumenta o custo do próprio financiamento e acaba inviabilizando o acesso de todos os produtores que estão em processo de regularização."
Às vezes, é o próprio setor público que impede que o produtor se regularize, porque há casos de empresas que pedem o Cadastro no Incra e não conseguem por burocracia. É por isso que a ação é também contra o Incra, por ineficiência no controle e cadastramento dos proprietários.
Há algum tempo, ONGs, empresas, Ministério Público têm tentado empurrar os produtores rurais da Amazônia para a legalidade. Foi assim com o pacto da soja. Começa a ser assim com o movimento da carne legal. Diante de um relatório de um grupo de ONGs, mostrando que os frigoríficos compravam de desmatadores, grandes redes de supermercados exigiram dos frigoríficos a comprovação de que só compravam de fornecedores em dia com a legislação fundiária e ambiental. Os frigoríficos grandes, como JBS, Marfrig e outros, se comprometeram a cumprir a ordem em seis meses. Depois, pediram mais seis meses.
Neste meio tempo, houve dois movimentos. Alguns pecuaristas correram para regularizar suas terras, cumprir leis ambientais como a da reserva legal; em outros casos, houve retrocesso, conta Paulo Adário, do Greenpeace:
- No Pará, houve aumento forte de legalização. No começo, havia apenas uma dezena de casos de empresas cadastradas. Hoje, já há 40 mil fazendeiros cadastrados, de um total de 150 mil. Mas o processo do Pará é mais simplificado. O processo "Mato Grosso Legal" é mais sofisticado e exigente. Lá, começou também a haver um movimento de legalização, mas, quando começou a discussão de mudança do Código Florestal, parou tudo. Os pecuaristas ficaram na esperança de flexibilização de exigências como o da reserva legal.
Ou seja, acharam que vão se legalizar mudando a lei e não o comportamento; mudando o Código e não replantando o que foi tirado ilegalmente. Já os que começaram o trabalho de se regularizar não têm nada a ganhar, porque os bancos públicos concedem financiamento a quem respeita ou não a lei, ignorando o que determinou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central.
A luta contra a terra sem lei, que existe em grande parte da Amazônia, é cheia dessas contradições que a ação do MP do Pará flagrou: o Estado ameaça com uma das mãos, e com a outra afaga. Morde com uma resolução dura e assopra com uma atitude leniente dos bancos públicos. É assim que o país inteiro vai virando o paraíso do "ilegal, e daí?", como alerta este jornal.
FONTE: O GLOBO
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