Do ponto de vista matemático, a ordem dos fatores não altera o produto em termos de adição e multiplicação mas em política, como não é uma ciência exata, a ordem dos fatores pode alterar o resultado. Assim é que quando se discute uma aliança política a um partido ou governo, deve-se levar em conta ritual político envolvendo: primeiro, se há interesse entre as partes e depois se os entendimentos nas questões políticas fundamentais, respeito aos princípios republicanos, à liberdade de imprensa, convivência democrática com as posições divergentes, transparência administrativa e rigor nos gastos públicos. Na seqüência, os desdobramentos naturais como participação no governo com projetos e até mesmo com cargos.
Um partido político, que tenha clareza sobre essa questão em termos de objetivos e de princípios, não pode funcionar ao sabor dos ventos, sob pena de confundir-se com um ajuntamento para tratar muito mais de interesses pessoais e subalternos.
Ora, ser situação ou oposição faz parte do jogo político. Essa equação só faz fortalecer a democracia. Querer ser oposição no momento eleitoral na esperança de galgar o poder é perfeitamente legítimo e não desmerece a ninguém. Mas querer bandear-se para o lado vencedor sem qualquer análise e proposição política que justifique este ato, cheira a puro oportunismo, é querer levar vantagem de uma situação política que dela não participou.
No caso do Estado do Rio de Janeiro competimos na eleição passada com a candidatura de Fernando Gabeira do PV, aliados com o PSDB e o DEM. Portanto, a menos de seis meses éramos competidores oposicionistas. Agora, mal o novo governo se instalou já se pretende aderir. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de entendimento político vai compreender que tal procedimento é condenável do ponto de vista ético.
Os autores dessa proposta de adesismo são os mesmos que descumpriram as determinações políticas do partido e apoiaram a atual governo, cometendo, por isso mesmo, infidelidade partidária.
Esta situação é que deveria estar sendo discutida no partido. Um partido sério não pode permitir que seus parlamentares sigam caminhos diferentes daquilo que o coletivo decidiu. Só querem usar o tempo de televisão e pousar de independentes internamente e adesitas a qualquer governo, principalmente nos períodos eleitorais, quando vislumbram grande expectativa de poder.
O PPS do Paraná deu um belo exemplo que merece de todos nós uma profunda reflexão. Em 2008 elegeu vários prefeitos e também uma quantidade razoável de vereadores. Recentemente, num processo crítico e autocrítico decidiu punir aqueles que, contrariando decisão partidária nas últimas eleições, praticaram infidelidade. O Diretório do Paraná, coerente com o que afirma, isto é, ser um partido ético e decente, resolveu expulsar alguns prefeitos e vereadores e punir outros com penas de advertência etc.
Aqui no Estado do Rio de Janeiro a situação é bem outra. O argumento que os adesistas apresentam é simplório. Afirmam que o atual governo tem pontos positivos tais como segurança, cultura, finanças etc. E por isso mesmo, devemos participar desse governo, depois de termos sidos derrotados nas urnas há seis meses.
Ora, se a questão de aderir ou não a governos é simplesmente apontar pontos positivos, há de se perguntar, será que tem algum governo sem pontos positivos? Se essa lógica prevalecer entre nós, fica aqui a seguinte indagação, por que não aderir logo ao governo federal que, reconhecidamente - a começar pela política externa - tem pontos positivos? Está tomando medidas duras na economia para impedir que a inflação volte com altos índices.
Ser oposição nos períodos eleitorais na perspectiva de galgar o poder é da lógica política. Mas ao se ver derrotado nas urnas e apontar pontos positivos no governo considero, sem medo de estar cometendo um apressado juízo de valor, puro adesismo. Para caracterizar bem esta situação o saudoso Stanislau Ponte Preta diria: trata-se do samba do crioulo doido na política. Partido com esse tipo de comportamento pode ser chamado de qualquer coisa, menos de ético e decente.
A situação do PPS-RJ é sui generis. Há seis meses foi derrotado nas urnas. Os infiéis, que praticaram abertamente a infidelidade partidária, agora, num lance de ousadia oportunista, querem levar o partido para o governo. São eles que desejam ditar os rumos do partido no Estado.
Diferentemente do Paraná, aqui estamos discutindo se vamos ou não aderir ao governo. Que me perdoem os defensores dessa tese. Essa prática não é adotada nem pelo PMDB. Seus dirigentes são mais refinados. Os grupos internos do partido aderem ao novo governo mas o partido como instituição fica de fora, pelo menos nos primeiros momentos da adesão.
Finalmente, gostaria de lembrar um fato histórico do antigo Estado da Guanabara, que teve como primeiro governador Carlos Lacerda.
Passadas todas as refregas políticas que nós do antigo PCB, PTB, PSD, PSB, entre outros partidos, há um reconhecimento generalizado de que o Lacerda fez um dos melhores governos do ponto de vista administrativo.
Para a crônica falta de água na cidade, construiu a Adutora Guandu; para melhorar o trânsito da cidade, fez os túneis Rebouças, Santa Bárbara, o elevado do Joá e seus dois túneis; reformou o hospital Souza Aguiar, que estava caindo aos pedaços; fez vários elevados para desafogar o trânsito; construiu, nos principais bairros e praças públicas, os famosos escolões; transformou o Banco da antiga Prefeitura do Distrito Federal num dos maiores e mais competitivos bancos do país – o BEG - que deu origem ao BANERJ, depois da fusão dos Estados da Guanabara e o antigo Estado do Rio; criou também a CTC, Companhia de Transportes Coletivos.
Vejam que este rol de realizações e não de pontos positivos, como agora se apregoa, não sensibilizaram os partidos oposicionistas. As razões políticas, na época, eram muito claras. O governador Lacerda tinha um desvio autoritário muito sério, o de recorrer aos quartéis para tentar solucionar problemas de ordem política. Não era um republicano. Não respeitava as instituições democráticas e, muito menos, o resultado das urnas. Lutava desesperadamente pedindo aos militares que derrubassem o presidente João Goulart, eleito democraticamente.
O final dessa história é trágico. O Jango foi derrubado do poder pelo golpe militar de 1964, que durou 20 anos. Os ditadores fecharam o Congresso, reprimiram violentamente as manifestações a favor da democracia, prenderam, mataram, exilaram homens e mulheres etc. Como resultado concreto dessa tragédia foram vinte anos de escuridão política, cultural e violenta repressão aos democratas.
Essas foram as principais razões para não se aderir a um bom governo administrativamente.
E o Lacerda, por ironia da história, também acabou vítima dos militares. O caçador virou caça. A ditadura militar barrou-lhe a pretensão de ser presidente do Brasil.
Roberto Percinoto é da direção nacional e da executiva estadual do PPS/RJ
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