Deixando de lado a tradição de chefes de governo, quando a economia não vai bem ou projeta problemas graves à frente, de reservarem para os anos eleitorais o lançamento de pacotes ou medidas de impacto de rápidos dividendos favoráveis – mesmo que muito arriscados -, contrariando isso a presidente Dilma Rousseff partiu nas últimas semanas para significativa mudança da política macroeconômica, passando a subordinar o controle da inflação ao crescimento (como se a consistência e a continuidade deste pudessem ser garantidas sem a efetividade de tal controle). Para o que usou como pretexto a nova turbulência externa.
E como argumentos o anúncio da realização de um superávit primário adicional (na verdade resultante de um excesso de arrecadação propiciado pela enorme carga tributária) e a promessa de decididas ações de corte dos gastos públicos (os quais continuaram crescendo de janeiro para cá, superando em mais de 11% os praticados em igual período de 2010, ano da gastança desenfreada do governo Lula). A mudança evidenciou-se no enquadramento da nova direção do BC – Banco Central às apostas da presidente Dilma em fortes efeitos anti inflacionários da crise externa e das prometidas ações para controle dos gastos. Enquadramento efetivado por meio de decisão do Copom, adotada por maioria de 5 a 2 de seus membros, de desencadear um processo de queda da taxa Selic mesmo num contexto de persistência da pressão inflacionária e de uma reindexação generalizada de preços.
A assunção dos riscos dessa mudança pode, de um ângulo de análise, ser vista como desdobramento natural do exercício da presidência da República por uma pessoa com a biografia de Dilma – de formação econômica esquerdista e de posturas desenvolvimentista e estatizante, que criticava duramente a política monetária pós-Real antes e depois de se tornar chefe da Casa Civil do governo Lula (este um pragmático convencido da necessidade de manter tal política como garantia de respaldo aos seus programas populistas).
E a nova presidente, com o núcleo do governo bem ajustado às suas perspectivas após a saída de Antonio Palocci da Casa Civil e o reforço do papel do também desenvolvimentista Guido Mantega no ministério da Fazenda, concluiu ter chegado a hora da reorientação da política macroeconômica (em certa medida antecipada pelo rechaço à proposta feita meses atrás pelo BC para a redução do centro da meta inflacionária nos próximos anos).
O mais provável, porém, é que a decisão de desencadear a mudança se tenha devido, sobretudo, ao cálculo da própria Dilma da necessidade de afirmação agora do seu governo, do comando centralizador que exerce sobre ele e de sua imagem pessoal. Cálculo compreensível numa conjuntura – predominante após as demissões de vários ministros mas já visível antes disso - de falta de comando do Executivo sobre a base parlamentar governista, de precariedade das relações da presidente com o Congresso e, sobretudo, de projeções nas diversas forças políticas, inclusive no PT, acerca da volta de Lula para a disputa de um terceiro mandato em 2014.
Segundo esse cálculo o desencadeamento de uma intervenção significativa na economia – com a vinculação de inesperada e forte queda dos juros ao anúncio de medidas de contenção de gastos e de estímulos à preservação do crescimento – reduziria o peso dos questionamentos da presidente na esfera política, favorecendo o reconhecimento de sua liderança e facilitando as complicadas negociações de demandas do Executivo no Congresso, como a da rejeição do projeto que unifica e aumenta o piso salarial dos policiais e dos bombeiros, da que reajusta os vencimentos do Judiciário (com alto potencial do chamado efeito cascata) e a da renovação da DRU – Desvinculação das Receitas da União.
Por esse ângulo de avaliação, a relevância atribuída pela presidente a esses objetivos imediatos foi o fator determinante das ações econômicas que desencadeou. Ignorando ou subestimando sérios riscos de fracasso delas ao longo do ano eleitoral de 2012. O que ensejaria, ou ensejará, a preparação de possível realinhamento político com vistas a 2014 de partidos de base governista (inclusive do principal aliado do governo petista, o PMDB) num cenário de crescimento bem menor do PIB (já previsto para perto de 3%) e de uma inflação turbinada pela soma de maiores gastos públicos – dos propriamente eleitorais com os provocados pelo salto de 14% do salário mínimo já em janeiro e do seu impacto no déficit previdenciário, bem como nas demais despesas trabalhistas.
Jarbas de Holanda é jornalista
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