quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Efeitos do sucesso da globalização :: Tony Volpon

Causa espanto a crise dos Estados Unidos e Europa. Primeiro, por sua extensão, sendo uma crise econômica, financeira, mas também política e social. Segundo, porque as soluções usuais estão falhando. Apesar de cada área representar visões distintas de governança, hoje essa diferenciação parece ser inócua: tanto a resposta social-democrata europeia como a liberal americana parecem inúteis.

Alguns estão vendo esses eventos como uma crise da economia globalizada. Mas é exatamente o contrário: essa é uma crise do sucesso da globalização, especificamente uma globalização chinesa.

A globalização engloba um processo em que novas tecnologias permitem uma dispersão do processo de produção, criando complexas cadeias de ofertas ("supply chains") que exploram as menores vantagens competitivas. Esse processo permitiu quebrar um padrão de produção onde a adição de valor agregado via processos intensivos de tecnologia ficavam restritos aos países desenvolvidos, com os países em desenvolvimento sendo basicamente exportadores de matérias primas.

A situação distinta que vivemos hoje é resultado da coincidência da aplicação de novas tecnologias ao processo produtivo e a abertura econômica chinesa. A abertura chinesa proveu ao sistema econômico mundial uma vasta, disciplinada e barata mão de obra para realizar todo o potencial das novas tecnologias.

Essa reordenação da estrutura produtiva quebra o "pacto social" entre trabalhadores e a classe dirigente nos países desenvolvidos. Agora os interesses das elites desses países estão mais alinhados com os interesses dos países em desenvolvimento, e não com o trabalhador do seu país que por décadas se acostumou com um crescente padrão de vida fruto do seu lugar privilegiado na economia global. Apesar das grandes diferenças entre a Europa e os Estados Unidos, essas duas sociedades utilizaram o mesmo expediente para enfrentar as consequências dessas mudanças: o endividamento.

Nos Estados Unidos vemos o esvaziamento do movimento sindical e adoção de políticas tributária regressivas, processos que causaram grande concentração e estagnação da renda. A compensação vem com bens mais baratos, "Made in China", e grande aumento no crédito, este fornecido exatamente por países asiáticos que "reciclam" suas reservas para o crédito ao consumidor americano, especialmente o crédito imobiliário. O crédito farto permite que o consumo cresça apesar da estagnação da renda, enquanto a alta dos preços no mercado imobiliário cria temporária sensação de riqueza.

Essa "dupla bolha" imobiliária e de crédito estoura em 2008. O governo Obama decide apostar tudo em um grande programa fiscal sem promover um "encontro de contas" entre devedores e credores, o que seria o equivalente a injetar adrenalina em um corpo morto. O que começou como crise do endividamento privado se transforma em crise de endividamento soberana, sem retorno duradouro do crescimento.

Na Europa, a história não foi diferente. Vemos uma fuga da indústria, mas principalmente do sul. O norte da Europa, com sua indústria de alta precisão continua competitiva e próspera dado o grande crescimento de venda nos países emergentes. O modelo social democrata minimiza a concentração e estagnação da renda, mas ao custo de um crescente desemprego estrutural.

Mas, como nos Estados Unidos, os trabalhadores do sul da Europa perdem seus empregos industriais, mas ganham, em compensação, uma moeda única que permite forte crescimento do crédito, especialmente para o mercado imobiliário.

Tal processo gera fortes desequilíbrios fiscais e de conta corrente entre os países da zona do euro, com o superavitário norte emprestando para o deficitário sul. Com o início da crise vemos mais um conjunto de mal pensadas apostas fiscais sem um devido encontro de contas entre devedores e credores, o que coloca todo o sistema bancário da zona do euro em perigo.

A China nesse cenário enfrenta seu próprio conjunto de desafios e problemas. Suas taxas de investimentos, que chegam a 50% do Produto Interno Bruto (PIB), podem assegurar seu forte crescimento, mas não são sustentáveis. O modelo chinês tem que transitar para ao consumo, em detrimento dos investimentos e exportações, uma transição perigosa. Mas na China, diferente dos Estados Unidos e Europa, investimentos são destinados à infraestrutura e indústria e não ao mercado imobiliário. No caso chinês é difícil acreditar que um país em desenvolvimento precise de boas oportunidades de investimento. E o governo chinês tem na manga uma enorme "carta" para enfrentar qualquer problema: pode deslanchar o que seria o maior processo de privatização da história.

A crise atual, de certa forma, não merece ser chamada de "crise". Uma crise denota um período excepcional, curto a agudo. Enquanto os acontecimentos desses últimos meses são espantosos, eles fazem parte de um processo histórico, uma globalização "Made in China", um deslocamento de poder global que será complexo e caótico, mas que promete seguir seu curso inexorável.

Tony Volpon é diretor do Nomura Securities International, Inc.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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