Metas de inflação e câmbio flutuante estariam sendo postos em xeque
Liana Melo
Morto há 65 anos, o economista inglês John Maynard Keynes nunca esteve tão vivo. Suas ideias e convicções parecem inspirar a equipe econômica do governo Dilma Rousseff. É como se a epígrafe de Keynes, de que "quando a realidade muda, minhas convicções também mudam", estivesse norteando a decisão de abandonar a política econômica, que vinha sendo implementada desde 1999. Pondo a culpa na crise internacional, o governo vem, lentamente, afastando-se do tripé formado por metas de inflação, câmbio flutuante e superávit fiscal. Essa constatação ganhou mais força com a alta do dólar de 5,54% só na última semana, em meio a novas intervenções do Banco Central (BC) no câmbio. Para alguns, a mudança é necessária, já que a realidade mudou, com o acirramento da crise da dívida na Europa. Para outros, a guinada é sinal de perigo, com inflação em alta e previsibilidade em baixa.
Para o diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) para Brasil e outros oito países, Paulo Nogueira Batista Júnior, o tripé continua intacto, o que houve foi uma "reorientação da política econômica". A mudança começou a ser delineada, lembra ele, na segunda metade do segundo mandato do governo Lula. Desde então, aprofundou-se o viés desenvolvimentista.
Batista concorda que o governo Dilma está ficando, sim, mais heterodoxo, mas não estaria sozinho nesta opção. O mundo inteiro, diz ele, inclusive o FMI, os Estados Unidos e a Europa, está seguindo esta orientação.
- Quando há um risco de grande depressão, como houve em 2008 e voltou a ocorrer agora com a crise internacional, as políticas precisam ser reorientadas - analisou o economista, comentando, no entanto, que, no caso do Brasil, o tripé de sustentação da política econômica está sendo mantido. - Só que este tripé é meio mítico, ele é apenas uma orientação básica.
Para ele, o governo não tem qualquer intenção de mexer no câmbio flutuante, nem no regime de metas, assim como continua perseguindo o superávit primário. Pelas projeções do Fundo, a inflação este ano deverá ficar em 6,3% e, em 2012, voltará para o centro da meta. Quanto ao câmbio, explicou, nenhum país adota um regime de câmbio flutuante puro.
O economista e consultor Alexandre Schwartzman está entre aqueles que acha que o governo não está se afastando do tripé, simplesmente porque já "o derrubou há muito tempo":
- E a crise global vem sendo usada mais como um pretexto do que um motivo real para a mudança. O que acabou criando um paradoxo, já que todos agora passaram a torcer por uma piora no cenário mundial.
Fazendo um contraponto à visão de Schwartzman, o economista Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC, de São Paulo, está convencido de que mexer no tripé é fundamental. Caso contrário, diz ele, acabaria virando "uma camisa de força":
- A avaliação correta do cenário externo e seus impactos será fundamental para a mudança de rota na política econômica. Sim, temos que mudar, porque o panorama mudou. Não adianta ficar olhando o espelho retrovisor e repetir o erro cometido na crise de 2008. Enquanto o mundo despencava, estávamos cá a aumentar os juros!
Lacerda, adepto das ideias de Keynes, não acha que o tripé foi totalmente abandonado. Admite, no entanto, que ele está "um pouco desequilibrado", o que não é um problema, porque o "mundo todo, inclusive o Fundo Monetário Internacional, está ficando mais heterodoxo":
- Se fala muito que o governo abandonou as metas de inflação. Mas vamos lá: inflação em alta é um fenômeno com data marcada para terminar. Assim que o cenário de desaquecimento, talvez recessão, se consolidar em economias como os Estados Unidos, a Europa e o Japão, que representam mais da metade do PIB mundial, os preços vão cair. Se no passado recente tivemos o efeito da pressão inflacionária internacional, a direção vai se inverter, com a desinflação vinda de fora.
Tripé abandonado e BC no alvo das críticas
A economia Cristiane Schmidt, da Fundação Getulio Vargas (FGV), admite que o governo não chegou a abandonar totalmente o tripé, mas, desde dezembro último, na época da saída do então presidente do BC Henrique Meirelles, "o tripé vem sendo atacado". E exemplifica cada uma das mudanças que vêm sendo implementadas pelo governo.
O câmbio, diz ela, de flutuante não tem nada. Já que a intervenções de compra e de venda deveriam ocorrer apenas esporadicamente.
- As intervenções não deveriam ocorrer quando o câmbio é puramente flutuante, ou, ocorrer raramente, quando é quase flutuante - analisa Cristiane, comentando que o Banco Central passou a fazer intervenções desde o começo do ano.
Quanto à meta de inflação, Cristiane critica o presidente do BC, Alexandre Tombini, comentando que, se seu objetivo é levar a inflação para a meta, "tem falhado enormemente". A prova, diz, foi a decisão da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), ao cortar a Selic em 0,50 ponto percentual, a 12% ao ano:
- E agora que o dólar está subindo e pressionará mais a inflação? Se Tombini fosse um gestor de uma empresa privada, não cumpriria a meta nem em 2011 nem, provavelmente, em 2012.
FONTE: O GLOBO
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