A culpa dos desastres no Brasil é menos da natureza e mais da imprevidência e injustiça dos homens
Surpreenderá a maioria saber que o Brasil aparece em 12º lugar no registro de desastres naturais em mais de 200 países nos últimos 30 anos. Então, o país não é "abençoado por Deus"? Não fomos poupados por tsunamis, terremotos, vulcões, furacões?
É que esquecemos o começo da letra: vivemos "num país tropical". Sofremos do excesso de nossa maior vantagem. Com perto de 14% do total, o Brasil detém a maior parcela de água doce não imobilizada em gelo. Só que às vezes é água demais concentrada em pouco espaço e tempo curto.
A rigor, como essa é característica dos trópicos, nossos desastres são menos naturais que ocasionados pela imprevidência e pela injustiça dos homens. Estudos de demógrafos como George Martine e Ricardo Ojima mostram que o maior problema ambiental do Brasil não é o de mitigar a emissão de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento da Amazônia. Caso não haja retrocessos como o do Código Florestal, devemos atingir a meta prometida em Copenhague de reduzir o desmatamento em 80%.
O desafio principal, em termos de sofrimentos e perdas de vidas, é o da adaptação a inundações e deslizamentos de quem vive em aglomerados subnormais ou sub-humanos. Segundo o Censo de 2010, são 11,4 milhões de pessoas, metade das quais no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Belém. Em Salvador, uma em cada quatro vive nessa situação.
Obviamente não é por querer ficar mais perto do céu que muitos vão morar em topos e encostas de morros, em mangues ou em cima de lixões. Foram condenados a isso pela urbanização selvagem que nas duas últimas décadas aumentou a população das cidades em 50 milhões, mais que a Argentina, o Uruguai e o Paraguai somados!
O certo teria sido, 60 anos atrás, abrir eixos de transporte, tomando o cuidado de desapropriar antes os terrenos vizinhos a fim de evitar sua valorização explosiva. Como não se fez isso e se tentou impedir a entrada das massas que deixavam o campo, agora será mais caro e difícil.
Não existe, porém, alternativa, pois as cidades continuam a crescer, sobretudo nas periferias. Por sorte, o fim da explosão demográfica atenuou o ritmo da urbanização, o que pode melhorar as coisas.
Em quase todas as periferias existem reservas de terrenos guardados vazios para especulação. Por que as prefeituras, sempre tão apertadas em recursos, não os tributam de modo pesado, combatendo a especulação? Onde não se pode esperar, deve-se desapropriar por interesse social. Ao mesmo tempo, é preciso organizar mercados de terrenos populares fiscalizados contra abusos.
O descaso pelos pobres originou uma estrutura urbana dualista. De um lado, bairros jardins de regulamentação estrita, contornável pagando propinas a fiscais corruptos como o latifundiário urbano que controlava as licenças da Prefeitura de São Paulo. Do outro, anarquia e caos em periferias entregues à exploração de especuladores.
O resultado é a tragédia previsível de todos os verões ou crimes como o trucidamento, em Pirituba, de pobre casal de jovens trabalhadores atraído pelo sonho de comprar um terreno para morar! Isso não é culpa de Deus nem da natureza, mas de nós mesmos.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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