Se forem somadas todas as diferenças e peculiaridades, ainda assim é preciso ter atenção ao crescimento do crédito e da inadimplência no Brasil. O país é sólido, o crédito imobiliário é pequeno, os imóveis sobem porque há demanda, e não por especulação. Ainda assim, sistematicamente o total de pessoas que atrasam seus pagamentos tem crescido e o governo ainda aposta na ampliação do crédito.
Pela primeira vez o total do crédito passou de 50% do PIB, pela nota divulgada ontem pelo Banco Central. Isso é muito para a nossa história, é pouco quando comparado com outros países. O que mais impressiona é a rapidez de crescimento. Em menos de dez anos saiu de 20% para 50,1% do PIB o total de dívida das empresas e das pessoas.
O Banco Internacional de Compensações (BIS) fez um alerta cuidadoso que o Brasil deveria ouvir. Mas há pouca esperança. As autoridades, inclusive as que deveriam zelar pela parcimônia do crédito, estão convencidas que assim é que turbinarão o PIB.
De abril a maio, a expansão foi puxada pelos bancos públicos, cujos empréstimos representavam 21,9% do PIB e agora são 22,3%. Do total do crédito brasileiro, 44,6% foi concedido por bancos estatais. Os bancos nacionais privados têm participação de 19,2%, e os internacionais, 8,5%, no crédito em relação ao PIB. Isso quer dizer 38,4% e 17% do total de crédito concedido, respectivamente.
O estoque de crédito inadimplente, com atraso acima de 90 dias, subiu para R$ 81 bi, com alta de 2,4% de abril a maio. Segundo a informação do Banco Central, a inadimplência da pessoa física chegou a 8% e cresce no cheque especial, no consignado e nos empréstimos para aquisição de bens. A inadimplência em veículos bateu novo recorde. O número parece pequeno, 6,1% do total, mas no começo do ano passado era de 2,6%.
A maioria dos dados de empréstimo e inadimplência mostraram crescimento em maio, em relação a abril. E a série recente é de crescimento contínuo. O crédito é cada vez maior, e as famílias estão cada vez mais endividadas.
Tudo parece o enredo que levou outros países para crises das quais ainda não saíram. Mas não é exatamente. O Brasil não cometeu os excessos cometidos em outras economias, não criou as exóticas criaturas que esconderam o grau de risco dos papéis vendidos ao mercado, e tem medidas prudenciais mais rígidas.
As previsões de crescimento estão minguando, mas ainda assim o mercado de trabalho está aquecido, a inflação está caindo, e os juros, diminuindo. Isso mantém a capacidade de pagamento do devedor. Com trabalho e mais renda disponível - pela queda da inflação e de custos financeiros - há menos risco de haver crise de crédito, como a de outros países.
Uma notável diferença é o mercado de crédito imobiliário para pessoas físicas, que é de apenas 5,3% do PIB, aqui. Mas o que espanta é o ritmo de crescimento: alta de 41,9% em 12 meses. O que os especialistas garantem é que, depois de tanto tempo sem crédito para compras de imóveis, esse aumento é natural, saudável, sustenta o crescimento. Garantem também que a valorização dos imóveis - que em algumas cidades afronta o senso comum e desafia comparações internacionais - é apenas resultado da demanda e não de manobras especulativas alimentadas por crédito baixo.
O Brasil tem mostrado uma capacidade grande de resistir a essa persistente deterioração externa. O PIB está com queda no ritmo de crescimento, mas ninguém acha que há o risco iminente de contágio pelas turbulências enfrentadas nos outros países.
Nem por isso o país deveria continuar apostando no aumento do crédito como elemento central da elevação do ritmo de crescimento. A inadimplência da pessoa física tem números que assustam. O atraso no cheque especial subiu para 11,3% e está em dois dígitos desde outubro de 2011. Ficar devendo nessa modalidade significa comprometer uma parte maior da renda com o pagamento de juros e correr riscos de ter que governar uma bola de neve. Mesmo com a queda do custo em alguns bancos, esse é o dinheiro mais caro do mercado. Na aquisição de outros bens que não veículos, o atraso de 90 dias é de 13,9%.
O percentual de atraso no crédito total é baixo, 3,8%, mas isso porque aí engloba-se o crédito direcionado, no qual a inadimplência é mesmo baixa. No crédito livre, o total inadimplente é de 6%.
O governo aposta nas diferenças entre o mercado de crédito do Brasil com o mundo para continuar com seu estímulo ao endividamento. Mas a avaliação externa é de que algumas semelhanças começam a se formar.
FONTE: O GLOBO
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