A maioria dos membros da Comissão da Verdade prefere guardar as revelações para o fim dos trabalhos, frustrando as famílias que anseiam por informações sobre seus mortos e desaparecidos
Agora todos sabem a verdade antes sufocada sobre Wladimir Herzog e Rubens Paiva. Mas quem são aqueles que, durante 109 dias, supliciaram Eduardo Leite, o Bacuri, na mais prolongada tortura de um preso político pela ditadura? O guerrilheiro de olhos azuis militou na Polop e na VPR, tal como a atual presidente. Quem torturou Mario Alves, do PCBR, que morreu depois de empalado com um cassetete de borracha? E a verdade sobre Stuart Angel Jones, preso na manhã de 14 de junho de 1971? No início da noite, seu corpo de atleta já dilacerado pela tortura foi arrastado por um jipe da Aeronáutica. Com a boca amarrada ao cano de descarga, morreu asfixiado. Outro preso, Alex Polari, tudo viu e relatou à mãe de Stuart, Zuzu Angel, que morreria num acidente suspeito, após denunciar o desaparecimento do filho. Centenas de linhas não bastariam para falar de todos os crimes ainda não esclarecidos.
Em maio, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) completa um ano de funcionamento, mas o Brasil, até agora, pouco sabe sobre o que apurou. A confirmação de que Paiva e Herzog morreram sob tortura aumentou a ansiedade dos parentes de outros mortos e desaparecidos. A verdade será revelada aos poucos ou apenas no fim dos trabalhos, em maio de 2014, como parece desejar a maioria dos membros da comissão? A coluna conversou sobre esta e outras questões com o atual coordenador da CNV, o ex-Procurador-Geral Claudio Fonteles, que no próximo dia 16 será substituído no posto pelo professor Paulo Sergio Pinheiro.
Até agora, apenas Fonteles tem revelado suas descobertas, por meio de textos e documentos postados no site www.cnv.org.br. Há uma divisão interna na comissão sobre a divulgação das conclusões, que ele evita abordar. "Houve um debate interno sobre esta questão, mas ela já foi resolvida. Prevaleceu a decisão de que seria respeitada a liberdade de produzir e divulgar textos e documentos, em nome pessoal, pelos que consideram necessário um intenso e contínuo diálogo entre a CNV e a sociedade. Tenho feito isso por meio do site oficial. Mas, por força de lei, no fim dos trabalhos teremos que apresentar um relatório circunstanciado sobre tudo o que foi apurado."
A conduta solitária de Fonteles faz crer que os demais membros da CNV tenham optado por guardar todas as conclusões para o relatório final, frustrando as famílias que anseiam por informações sobre o que aconteceu com seus entes queridos. Tal metodologia também não contribui para ampliar o debate e valorizar a conquista da democracia, especialmente pelos mais jovens, que não viveram a ditadura. Fonteles, entretanto, acha que a comissão tem cumprido este papel. "Não pressuposto de que devemos criar uma forte rede de proteção à democracia, para que nenhuma outra geração viva a experiência do Estado Ditatorial Militar, a CNV foi a campo desde sua criação. Visitamos todas as regiões do país, realizamos 11 audiências públicas em oito estados, participamos de atos públicos e incentivamos a criação de comissões da verdade por entidades da sociedade civil ou mesmo por governos estaduais e municipais. Queremos que as pessoas busquem saber o que se passou neste país e se envolvam com a bela tarefa de defender a democracia. Tenho dito que a CNV, sozinha, não irá a lugar algum". Ele reconhece, porém, que este envolvimento ainda é muito "acanhado".
De sua parte, ele diz que continuará divulgando as conclusões. No segundo semestre, terá novidades sobre a Guerrilha do Araguaia. "Concluimos as pesquisas sobre 1972 e estamos entrando em 1973. Não podemos prometer que encontraremos corpos, mas muitas coisas serão esclarecidas". Ele continuará mergulhando semanalmente no Arquivo Nacional, onde existem mais de 16 milhões de documentos sobre o período. "A CNV encerrará seu mandato sem conseguir examinar todos eles. Mas eu vou continuar neste trabalho. Hoje sei que os arquivos são a maior fonte de conhecimento sobre o passado."
Além do relatório final, a CNV deverá também apresentar recomendações. Uma, que já foi apresentada aos governadores de estados onde funcionavam centros de tortura e repressão, é para que transformem estes locais em centros de preservação da memória. "Nestes locais devem ser criados espaços para a reflexão e a celebração da verdade, em ambientes museológicos. O Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) foi muito sensível à nossa proposta", diz Fonteles.
Quando a presidente Dilma criou a CNV, em maio passado, entidades como a OAB e o Grupo Tortura Nunca Mais criticaram o fato de a comissão não ter poderes para julgar e condenar os responsáveis por torturas, assassinatos e prisões ilegais. Dilma já havia enfrentado resistências e acusações de revanchismo por parte dos militares. "Estamos impedidos de qualquer ação neste sentido, pois o Supremo considerou que a Lei da Anistia, com seu perdão bilateral, é constitucional. Mas isso ainda não transitou em julgado, porque a OAB entrou com recurso. De todo modo, quando a verdade, em toda a sua extensão, for amplamente conhecida e comprovada, as forças sociais poderão se mobilizar, exigindo uma mudança nesta interpretação."
Em tempo de mobilizações pela internet, eis aí um tema que deveria importar muito aos jovens democratas que militam na rede.
Alô, Senacom
A Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon/MJ) multou a Gol e a TAM, na sexta-feira, pelo truque de seus sites, que induzia à compra de um seguro opcional. Devia agora investigar outro problema que a Anac não vê: há tarifas promocionais em que o passageiro perde o direito à restituição se não voar. Isso está no contrato. O problema é que as empresas ficam também com a taxa de embarque que cobraram para repassar à Infraero.
Fonte: Correio Braziliense
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