- O Estado de S. Paulo (24/10/2015)
O Canadá tem uma reputação de um lugar monótono. Na década de 80, o jornal "The New Republic" declarou notavelmente "Uma Iniciativa Canadense Válida" a manchete mais chata do mundo. No entanto, quando se trata de política econômica, essa fama é imerecida: o Canadá tem sido muitas vezes, de forma surpreendente, o lugar onde o futuro acontece primeiro.
E isso está acontecendo novamente. Na segunda-feira (19), os eleitores canadenses tiraram os conservadores dominantes do poder, dando uma impressionante vitória para os liberais de centro-esquerda. E apesar de haver muitas coisas interessantes na plataforma liberal, o que mais me impressiona é a sua rejeição clara da ortodoxia da austeridade obcecada com o deficit que tem dominado o discurso político em todo o mundo ocidental. Os liberais concorreram com uma visão franca e abertamente keynesiana, e venceram de longe.
Antes de vermos as implicações, vamos falar sobre a longa história de heterodoxia econômica tranquila do Canadá, especialmente na questão da política cambial.
Na década de 50, todo mundo considerou essencial atrelar sua moeda ao dólar americano, a qualquer custo – todos, exceto o Canadá, que deixou seu próprio dólar flutuar e descobriu que uma taxa de câmbio flutuante realmente funcionou muito bem.
Mais tarde, quando as nações europeias estavam lutando para aderir ao euro – em meio a previsões de que qualquer país que se recusasse a adotar a moeda comum iria pagar um sério preço – o Canadá mostrou que é viável manter a sua própria moeda, apesar de estreitos laços econômicos com um vizinho gigante.
Ah, e os canadenses foram menos dominados do que o resto pela ideologia de desregulamentação bancária. Como resultado, o Canadá foi poupado do pior na crise financeira de 2008.
O que nos leva à questão dos deficits de investimento público. Aqui está o que o Partido Liberal do Canadá disse sobre o assunto: "As taxas de juros estão em mínimos históricos, nossa infraestrutura atual está envelhecendo rapidamente e nossa economia está em ponto morto. Agora é a hora de investir."
Isso soa razoável? Deveria, pois é razoável. Nós estamos vivendo em um mundo cheio de poupança que o setor privado não quer investir e prefere emprestar aos governos a taxas de juros muito baixas. É óbvio que é uma boa ideia tomar emprestado a taxas muito, muito baixas e usar essas economias em excesso, sem mencionar os trabalhadores desempregados devido à fraca demanda, para construir coisas que irão melhorar o nosso futuro.
É estranho dizer, no entanto, que isso não vem acontecendo. Em todo o mundo avançado, os programas de estímulo fiscal modestos introduzidos em 2009 há muito desapareceram. Desde 2010 o investimento público vem caindo em relação ao PIB, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, e agora está bem abaixo dos níveis pré-crise. Por quê?
A resposta é que, em 2010, de alguma forma a opinião da elite uniu-se em torno da visão de que os deficits, não o alto desemprego e o crescimento fraco, eram o grande problema diante dos tomadores de decisão. Nunca houve qualquer evidência nesse sentido; afinal de contas, as taxas de juro baixas mostravam que os mercados não estavam de forma alguma preocupados com a dívida. Mas não importa – era isso o que todas as pessoas importantes estavam dizendo, e tudo o que você lia em grande parte da imprensa financeira. E poucos políticos estavam dispostos a questionar esta ortodoxia.
Mais notadamente, aqueles que deveriam ter se levantado em defesa dos gastos públicos sofreram um notável fracasso. O Partido Trabalhista britânico, em particular, essencialmente aceitou as afirmativas conservadoras de que a nação estava enfrentando uma crise fiscal e reduziu-se a discutir o assunto marginal sobre qual forma de austeridade deveria ser adotada. Até mesmo o presidente Barack Obama temporariamente começou a ecoar a retórica republicana sobre a necessidade de apertar o cinto do governo.
E depois que caíram na história de pânico do deficit, os partidos de centro-esquerda se viram em uma posição extremamente fraca. A retórica da austeridade é natural para os políticos de direita, que estão sempre argumentando que não podemos nos dar ao luxo de ajudar os pobres e azarados (apesar de sermos capazes de dar cortes de impostos para os ricos). Os políticos de centro-esquerda que endossam a austeridade, no entanto, encontram-se reduzidos a argumentar que não vão causar tanta dor. É uma proposta perdedora, tanto política quanto economicamente.
Então chegaram os liberais de Justin Trudeau, que estão finalmente dispostos a dizer o que os economistas sensatos (mesmo em lugares como o Fundo Monetário Internacional) vêm dizendo o tempo todo. E eles não foram punidos politicamente – pelo contrário, eles conquistaram uma vitória impressionante.
E os liberais vão colocar sua plataforma em prática? Deveriam. As taxas de juros permanecem incrivelmente baixas: o Canadá pode pegar emprestado por 10 anos a apenas 1,5%, e seus títulos de 30 anos protegidos contra a inflação dão menos de 1%. Além disso, o Canadá, provavelmente, está enfrentando um longo período de fraca demanda privada, graças aos baixos preços do petróleo e a provável deflação de uma bolha imobiliária.
Vamos esperar, então, que Trudeau se atenha ao programa. Ele tem uma oportunidade de mostrar ao mundo o que é uma política fiscal verdadeiramente responsável.
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Paul Krugman, professor de Princeton e colunista do "New York Times" desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de Economia em 2008.
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