Um ano após a reeleição, a presidente Dilma não consegue se livrar da crise econômica e política. O ex-presidente Lula que fará 70 anos sem festa, criticou a Lava-Jato e disse que o país vive “quase um estado de exceção”. O pecuarista José Carlos Bumlai confirmou ter intermediado encontro entre Lula e empresário.
Tempo parado entre a economia e a política
• Nos últimos 12 meses, governo navegou na tempestade da relação com o Congresso, da alta do dólar e da inflação
Simone Iglesias e Catarina Alencastro - O Globo
BRASÍLIA - Passado um ano da reeleição da presidente Dilma Rousseff, que se completa amanhã, o país vive uma sensação de tempo perdido. A deterioração política virou combustível para a crise econômica, criando um círculo vicioso que o governo parece incapaz de romper. De outubro de 2014 até hoje, a situação da economia piorou, e a relação com o Congresso — ruim desde sempre — oscilou, mantendo-se o quadro de incapacidade de conquistar uma maioria governista fiel. Apesar do momento difícil, na avaliação de integrantes do governo, o mandato não está comprometido, e há saídas para a crise.
A estabilidade na relação com o Congresso e a aprovação do ajuste fiscal são, segundo auxiliares presidenciais, cruciais para um novo ciclo. A receita é antiga, mas não foi cumprida nos últimos 12 meses. Na avaliação de ministros, Dilma tomou decisões erradas desde a reeleição, construindo seu novo governo sem ouvir os aliados, o PT e o ex-presidente Lula — acabou se isolando. Somado a isso, “caiu na armadilha” de estabelecer prazos e metas inexequíveis, especialmente em momento difícil da economia.
Os dados mostram o tamanho da deterioração econômica. Quando foi reeleita, em outubro do ano passado, o dólar custava R$ 2,46, contra R$ 3,90 desta semana; a inflação anual estava em 6,75%, contra os 9,77% atuais; e a dívida bruta do setor público figurava em 61,7% do PIB, contra os 65,3% do mês passado. Pior: entre o 2º trimestre do ano passado e o deste ano, a economia regrediu 1,9%.
Agora, a ordem é correr contra o tempo para estancar a sangria. Para isso, o governo quer contar com o principal algoz, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para o Planalto, apoiar a estabilidade e o ajuste seria uma forma de Cunha manter do seu lado o apoio do empresariado, já que está vendo a adesão entre os partidos diminuir, na medida em que aumentam as denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro. No governo, ninguém trabalha com a ideia de que Cunha deixará nas próximas semanas o comando da Casa, e este período é essencial para a aprovação do pacote.
— Cunha é inteligente e sabe que não pode ser contra a agenda do crescimento, porque é pior para ele virar um problema para o Brasil. É uma questão de sobrevivência para ele manter imagem neutra e ser um agente da estabilidade — disse um ministro.
Para garantir crescimento, o Executivo admite rever pontos do ajuste, como recriar a CPMF. Há setores do governo trabalhando com o aumento de arrecadação pela Cide, com a legalização dos jogos presenciais e eletrônicos, e também com anúncio de novo Refis (Programa de Recuperação Fiscal).
— Se a gente conseguir aprovar a repatriação, a desvinculação de receitas da União e trabalhar com alternativas à CPMF, conseguiremos criar uma agenda e possibilitar um novo cenário de crescimento — avaliou um auxiliar presidencial.
Ao falar no futuro, integrantes do governo voltam ao começo deste ano para exemplificar os motivos pelos quais o cenário ficou tão ruim: Dilma cometeu muitos erros.
— Ela está enfrentando um batismo de fogo. Até a reeleição, administrou ancorada no Lula. Depois, confessou aos mais próximos que faria deste um governo com a cara dela. Foi altamente testada com a falta de apoio no Congresso, a ação do Tribunal de Contas, a Lava-Jato. Com isso, pode ter criado condições para se firmar com as próprias forças — afirmou um ministro que pediu reserva ao GLOBO.
O ex-ministro Delfim Netto, que foi conselheiro informal de Dilma no primeiro mandato, afirmou que, para dar a volta por cima, a presidente tem que “enfrentar os panelaços” e ir para as ruas apontar soluções “pensando no futuro de seus netos”.
— Evidente que há solução, o Brasil não vai terminar. A situação é delicada, há um problema fiscal muito sério, e isso é estrutural, então, não vai ser resolvido com pequenas medidas, insistindo em soluções pequenas diante deste problema, como solucionar o superávit primário. É preciso uma ação muito forte, que faça o governo retomar o protagonismo — afirmou Delfim.
Delfim crê que, daqui a dez anos, o Brasil terá crescimento de um ponto a mais no PIB por respeitar as instituições e evitar o afastamento de Dilma:
— É melhor o Brasil ser visto como país que respeita as suas instituições, não como pastelaria. O Brasil não é uma pastelaria. Vai passar por isso, e daqui a dez anos vamos crescer 1% a mais ao ano pelo fato de termos respeitado as nossas instituições — analisou. (Colaborou Gabriela Valente)
Nenhum comentário:
Postar um comentário