- O Estado de S. Paulo
Da mesma forma que a crise causa estragos, pode apontar saídas para recuperação. É nas crises que as pessoas e as empresas tomam decisões que em situações normais não chegam a ser pensadas ou aplicadas.
Essa crise de múltiplos aspectos é mais grave do que a vivida em 2009. Naquela ocasião vislumbrava-se perspectivas de recuperação, como de fato ocorreu. Atravessamos sem maiores danos 2009 e em 2010, o crescimento atingiu 7,5% e, em 2011, 3,9%.
Na crise atual, diversas análises preveem uma queda superior a 3% neste ano e de 2% em 2016, com agravamento da situação fiscal e do desemprego, que pode romper 10%. Mas há vias que podem ser trilhadas para superação da armadilha criada pelo governo.
A armadilha. A prioridade da política econômica é o controle da inflação e o único instrumento usado é a elevada Selic. Isso causa o descontrole fiscal gerando déficits nominais que podem atingir 10% do PIB neste ano, a relação dívida/PIB romper 70% do PIB no primeiro trimestre de 2016 e a recessão se aprofundando.
Com a perda de faturamento, as empresas estão demitindo em velocidade crescente, o ambiente social se agrava e pode levar a manifestações de massa, estas sim com forte poder de derrubada do governo.
Ficar um longo período com taxas de juros reais elevadas como vem ocorrendo e que vai continuar por longo período, segundo o Banco Central (BC), arrebenta com a saúde fiscal e conduz à recessão profunda. É o que estamos assistindo.
Como a política econômica é pautada pelo mercado financeiro e o ministro da Fazenda opera em sintonia com a visão desse mercado, são remotas as chances de escapar dessa armadilha.
As análises, no entanto, dessa corrente não vêm desfecho de agravamento com tensão social perigosa. Acha que o País aguenta mais um ano de juros astronômicos e aguarda que o governo consiga realizar daqui a dois a três anos superávits primários que possam deter a relação dívida/PIB (???).
Desajuste fiscal. Com relação ao denominado ajuste fiscal há que ter diagnóstico baseado na realidade. Não aquele defendido pelo mercado financeiro e pelo ministro da Fazenda de que o problema fiscal é o superávit primário deficitário devido a despesas crescentes no governo federal.
Como venho repetindo nesta coluna, o déficit fiscal do setor público é devido aos juros. Dados oficiais do Banco Central apontam que, nos primeiros nove meses deste ano, o déficit fiscal foi de R$ 416,7 bilhões e o déficit com juros R$ 408,3 bilhões. Assim, 98,0% (!) do déficit é devido a juros e apenas 2,0% a déficit primário.
Inflação. Para complicar a vida do governo, a inflação resiste a cair pelo rescaldo dos preços administrados que têm sido o vilão da inflação neste ano. Devem atingir 17,7% segundo o próprio BC. O argumento de que a Selic deve ficar elevada para combater a inflação é falso. Nos primeiros dez meses do ano, o IPCA cresceu 8,53%, os alimentos 8,37%, os serviços 6,56% e os preços administrados 16,18%. Considerando os pesos que têm esses componentes no IPCA vê-se que 45,3% da inflação foi causado pelos preços administrados, 27,4% pelos serviços e 27,3% pelos alimentos. A Selic não influi sobre eles.
Saída. A saída dessa armadilha passa necessariamente pela imediata redução da Selic para o nível da inflação. Afinal é o que ensina a experiência internacional bem-sucedida após a crise de 2008.
Ao ser reduzida a Selic, a montanha de dólares especulativos vindos do exterior retorna gradualmente, permitindo o câmbio fluir para novo nível mais condizente com a lei da oferta e da procura da moeda que estimo entre R$ 4 e R$ 5. O efeito imediato é a redução mais acentuada das importações e posterior crescimento das exportações. A retomada das exportações se dá pelo aumento da produção e no mercado fornecedor de serviços. Susta-se no primeiro momento a dispensa de trabalhadores e em seguida cresce o emprego.
Mas só isso não basta. A maior trava na economia são as taxas de juros ao tomador que atingiram em outubro para financiamentos em 12 meses, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), 132,9% (!) para o consumidor e 63,1% (!) para a empresa, taxas mais altas desde abril de 2009.
De que adianta propor aumento da oferta de crédito com essas taxas suicidas? É condenar o tomador a sérios problemas financeiros. Há que reduzir essas taxas de juros e a forma de conseguir isso já foi diversas vezes proposta nesta coluna.
É evidente que proposta de redução de juros será duramente combatida pelo mercado financeiro, mas não há alternativa, ou o governo muda sua política em direção ao crescimento ou não sai do impasse em que se meteu.
Várias tentativas de política econômica foram feitas pelos sucessivos governos para tentar levar o País a crescer. Salvo o período 2004/2008, bombado pela explosão das commodities e programas de renda, o País quase não cresce. Em comum nessas políticas, taxas de juros muito acima do padrão global.
Com ou sem impeachment, com ou sem Temer, com ou sem Levy, não importa: o que vai definir os rumos dos próximos anos é qual política econômica será adotada: a que convive com esses juros há décadas e cujos resultados são por demais conhecidos, ou outra baseada no crescimento econômico impulsionado por juros civilizados? A crise aponta saídas.
Ficar um longo período com juros reais elevados arrebenta com a saúde fiscal
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