- O Estado de S. Paulo
Muitas vezes, uma imagem diz mais do que mil palavras e esse foi o caso da foto de Dida Sampaio na capa do Estado de quinta-feira, dia seguinte à decisão de Eduardo Cunha de acatar o pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Vemos ali uma Dilma dura e arrogante, à frente de uma fila de ministros com ar de velório. Ou seria de derrota?
O governo tem armas, tenta articular um discurso e mobilizar a tropa, mas os obstáculos são muitos: há uma progressiva deterioração da imagem de Dilma como presidente, do governo como capaz de salvar a economia e do PT como partido com autoridade para tirar o País dessa profunda crise.
Dilma, que só precisa de 171 dos 513 votos da Câmara para salvar o pescoço, tem PT e PCdoB e acaba de receber o reforço da Rede, do PSOL e do PDT, mas decisões políticas não são aritméticas. A sensação de desmanche cresce a cada dia. A de que é preciso uma saída urgente e drástica aumenta na mesma proporção. E há os fios desencapados: Delcidio, Esteves, Bumlai, filho do Lula.
Nesse ambiente, destaca-se Michel Temer, pela legitimidade de ser vice e pela circunstância de presidir o maior partido do País, que é também a principal ameaça a Dilma no Congresso. Todos querem saber onde está, com quem está, o que faz, o que diz e o que está realmente pensando Temer.
Ele não quer, e especialmente não pode, parecer que conspira contra a presidente. Se não por questões de princípio, por pragmatismo: a sociedade não perdoaria um vice que opera contra a presidente visando seu próprio interesse. Mas isso não significa que Temer não queira, e especialmente não possa, trabalhar com a hipótese de ter de assumir a Presidência. Ser pego de surpresa é que não pode.
Temer é como o PMDB: está amarrado a Dilma, mas conversando, ouvindo e analisando a situação com o PSDB e a oposição em geral, porque a realidade é a realidade: há um processo de impeachment no ar e nada mais natural que o vice esteja adequadamente colocado para o que der e vier. Conspiração? Talvez apenas pura razão.
Temer e Dilma vivem como gato e rato. Conversam alguns minutos, o suficiente para os gênios palacianos vazarem que articularam por quatro horas. Falam obviedades, sem compromissos de vida ou morte, e os mesmos gênios espalham que Temer entraria de cabeça na defesa jurídica de Dilma, argumentando que o pedido de impeachment não tem “lastro jurídico”.
Afora o detalhe de que Temer não usa o termo “lastro jurídico”, ele viu nessas plantações a tentativa de: 1) envolvê-lo numa teia sem saída, quando o país precisa de portas abertas para escapar da crise; 2) desqualificar um documento assinado por Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, o que seria no mínimo deselegante; 3) jogá-lo contra Eduardo Cunha e rachar o próprio PMDB que ele preside.
É por isso que Temer decidiu dar sua própria versão e deixar evidente que não empunhará armas contra o impeachment nem contra Cunha, o PMDB e o Congresso. Segundo o vice, trata-se de uma questão legal e política, o governo que dê suas respostas. E acrescenta um enigma: o país sairá pacificado disso tudo. Só não especificou como. Com Dilma presidente? Ou com ele próprio assumindo?
Nesse enredo, entra o pedido de demissão do ministro Eliseu Padilha. Ele não é só braço direito de Temer como foi operador do governo, dentro do Planalto, nas votações do ajuste fiscal. E não é nenhum neófito em política. Logo, sua saída terá mil explicações (o nomeado para a Anac, o chá de cadeira na Casa Civil...), mas funciona como senha. Senha de que o PMDB está pulando fora e de que a articulação para a posse de Temer extrapolou os bastidores e veio para a luz do dia.
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