Ao todo, em 2015, foram liberados R$ 2,5 bi em seis decretos editados sem autorização do Congresso, o que serviu de base para a abertura do processo de impeachment. Quase 30% dos gastos se destinaram ao pagamento de serviços da dívida pública.
Decretos sem aval pagaram dívida pública
• Ao todo, em 2015, R$ 2,5 bi foram liberados sem autorização do Congresso, o que embasa processo de impedimento
Vinicius Sassine e Martha Beck - O Globo
-BRASÍLIA- Quase 30% dos gastos autorizados pela presidente Dilma Rousseff nos decretos de 2015 que ajudaram a embasar a acusação usada para o processo de impeachment se destinaram ao pagamento de serviços da dívida pública. Os seis decretos, editados sem o aval do Congresso, liberaram R$ 2,5 bilhões em créditos adicionais, dos quais R$ 703,4 milhões dizem respeito a serviços da dívida. O processo de impeachment tem como base, ainda, a suposta continuidade das “pedaladas fiscais” (atrasos nos repasses de recursos para bancos públicos).
As autorizações de gastos contemplaram ainda o custeio de bolsas de estudo no ensino superior (que contou com mais R$ 561,4 milhões, ou 22,4% do total), funcionamento das universidades federais, apoio à educação básica, custeio de missões do Exército e da Marinha e financiamento da Justiça Federal. As fontes de recursos foram excesso de arrecadação com tributos, convênios e doações, além de superávits financeiros (receitas de anos anteriores).
O mapeamento sobre o destino e a origem dos recursos foi feito pelo GLOBO com informações levantadas pela área econômica do governo e pela Consultoria de Orçamento do Senado. Pela primeira vez, é possível saber a anatomia dos decretos de Dilma que autorizaram gastos num momento em que ocorria uma queda vertiginosa da arrecadação federal e já havia um déficit das contas públicas.
Os decretos foram assinados em julho e agosto deste ano. O Congresso só aprovou a meta fiscal de 2015, com validação a um déficit de R$ 119,9 bilhões, no último dia 2. No mesmo dia, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deflagrou o processo de impeachment. A base é um suposto desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e à lei orçamentária por conta dos decretos de créditos suplementares num momento em que a nova meta ainda não havia sido validada pelo Congresso.
O valor autorizado para o Ministério da Educação passou a contar com um crédito suplementar de R$ 304,4 milhões (12,1%) para manter em funcionamento as universidades e outros R$ 324,8 milhões (13%) para ações em educação básica. O Ministério da Defesa foi contemplado com R$ 120 milhões (4,8%) para missões de Exército e Marinha.
Outro decreto autorizou recursos para órgãos fora do Executivo. A Justiça do Trabalho foi autorizada a gastar R$ 170,8 milhões com apreciação de causas trabalhistas. Já a Justiça Federal, a Justiça Eleitoral e a Justiça do Distrito Federal passaram a contar com uma previsão nova de R$ 12,7 milhões.
A edição de decretos de crédito suplementar sem aval do Congresso foi usada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para aprovar parecer pela rejeição das contas de 2014 de Dilma. Num parecer de outubro deste ano, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público (MP) junto ao TCU, apontou a repetição dessa prática em 2015, o que foi reproduzido no pedido de impeachment. O entendimento no TCU é que os superávits e excessos de arrecadação são fictícios e que não importa como o dinheiro foi gasto.
Essa interpretação é questionada por técnicos da equipe econômica, que enumeram diversas razões para os decretos serem considerados corriqueiros, legais e sem impacto nas contas do governo. Primeiro, segundo esses técnicos, não há aumento de gastos, mas apenas uma autorização orçamentária. Eles argumentam que o que vale para o cumprimento da meta é decreto de contingenciamento, feito numa fase anterior à abertura dos créditos e que define quanto cada ministério é autorizado a gastar. Assim, quanto os decretos foram editados, eles não alteraram o valor que poderia ser gasto por cada pasta.
— Ao receber suplementação de crédito, o ministério não recebe uma autorização para gastar mais, pois o limite de empenho dele não aumenta. Se ele tem 80 de empenho, esse valor não muda com o decreto — disse um técnico.
Além disso, alega a equipe econômica, a maior parte das receitas incluídas nos decretos é vinculada, ou seja, não pode ser gasta livremente. Um “excesso de arrecadação” não pode ser usado para pagar dívida.
Integrantes do governo sustentam ainda que os pedidos — com indicação da origem e do destino do dinheiro — são feitos pelos próprios órgãos e, quando a fonte é um excesso de arrecadação, trata-se de imposto, doação ou convênio específicos.
— Não faz sentido pegar excesso de arrecadação de um convênio e pagar dívida. Como esses R$ 700 milhões usados para pagar dívida pública afetariam o superávit? É uma contradição — diz um técnico.
Prática considera comum
O questionamento a créditos suplementares é recente, segundo os técnicos. Foi iniciado em outubro, quando o TCU validou parecer pela rejeição das contas de Dilma.
— Isso sempre foi comum, ninguém nunca teve medo de assinar decretos de suplementação. Agora, existe uma insegurança jurídica. Isso tudo está autorizado por leis. Estados e municípios estão acostumados a fazer essas autorizações — afirma uma fonte.
Decretos dessa natureza não são numerados, como é feito desde 1991. Até a edição pela presidente Dilma e a publicação no Diário Oficial, os seis decretos passaram por 40 técnicos, segundo integrantes da equipe econômica. O pedido inicial é encaminhado pelo órgão e passa a ser avaliado em diversas instâncias do governo.
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