O ministro Edson Fachin aparentemente não teve dúvida ao envolver o Supremo Tribunal Federal (STF) no jogo político do impeachment. Faz parte da disputa parlamentar recorrer à corte suprema, seja por algum interesse legítimo ou por mera artimanha partidária. Caberá ao STF separar uma coisa da outra, para não se transformar em joguete dos interesses partidários em uma situação política radicalizada.
Os assuntos de natureza política deveriam ser decididos pelas respectivas Casas do Congresso - Câmara dos Deputados e Senado Federal -, dentro das regras estabelecidas pela Constituição, como mais de um jurista e ministros da própria Corte aconselharam ao longo da semana. Mas se tornou rotineiro o recurso judicial deste ou daquele interesse parlamentar contrariado. Aceita a ação em que o PCdoB questiona os ritos adotados na Câmara para apreciar o pedido de impeachment, caberá agora ao Supremo decidir sem açodamento.
É impreciso dizer que o país está parado à espera da decisão. O correto é dizer que Executivo e Legislativo estão parados, o que não é motivo suficiente para cassar o direito deste ou daquele ministro do Supremo de ter tempo para estudar o assunto em todas as suas dimensões e assim decidir bem e no melhor interesse da causa pública, sem atrelamento a interesses. Quem tem pressa afirma que se trata de um problema relativamente fácil, que apenas uma semana é suficiente para pensar e decidir, constrangendo por antecipação pedidos de vista. Não é bem assim ou a pendenga não estaria nas barras da mais alta corte judicial do país.
Prova disso é a manifestação do Senado Federal na ação movida pelo PCdoB, na última sexta-feira. A Casa reivindica as mesmas prerrogativas da Câmara, no que diz respeito à admissibilidade do processo. Até agora tinha-se como pacificada a interpretação de que caberia à Câmara admitir o pedido e autorizar ou não o Senado a julgar a presidente. Esse foi o procedimento adotado no julgamento do senador e ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello (1990-1992), em situação idêntica.
Na manifestação enviada ao STF, a Advocacia-Geral do Senado argumenta que, apesar de a lei que descreve o processo de impeachment dar a competência de receber ou não a denúncia à Câmara, a Constituição Federal assegura esse poder ao Senado Federal - caberia à Câmara apenas a autorização do seguimento do processo. Argumenta que o artigo 51, inciso I da Carta Magna que cabe à Câmara autorizar a instauração do processo, mas o artigo 52, inciso I diz que cabe ao Senado "processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República".
A lei que regula os processos de impedimento é de 1950. A Constituição é de 1988. Essa foi uma das razões alegadas pelo PCdoB para pedir a "filtragem constitucional" do Supremo, praticamente a elaboração de uma nova lei, em uma semana. Segundo o PCdoB, a distância entre a lei e a Constituição, de quase 40 anos, exige que o Supremo diga "o que, da Lei 1.079/1950, passados mais de 65 anos de sua edição, remanesce compatível com a ordem constitucional".
Esta foi a brecha de que se aproveitou o Senado, para reivindicar agora o direito de apreciar também a admissibilidade do processo, manifestação apresentada apenas na sexta-feira, a poucos dias da decisão marcada para esta quarta-feira. A presidente da República se manifestou na mesma direção. "Por óbvio que a decisão autorizativa da Câmara não vincula o Senado Federal, que poderá deliberar pela não instauração do processo", argumentou em manifestação também apresentada no fim de semana.
O procurador-geral da República também se pronunciou e atacou a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que se valeu de brechas regimentais para patrocinar uma eleição secreta a fim de escolher os integrantes da comissão especial que vai dizer se autoriza ou não o Senado a julgar a presidente.
Os argumentos da presidente, do Senado e da procuradoria estão aparentemente coordenados.
A decisão, enfim, está nas mãos do Supremo Tribunal Federal. É bom que decida logo, se houver o convencimento da maioria nesta quarta-feira, mas é crucial que decida bem. Estabelecendo os ritos para dar continuidade ao processo, o STF acaba de uma vez por todas com o discurso de golpe contra a Constituição.
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