- Valor Econômico
• Não deve caber só ao BC a responsabilidade de decidir sobre o volume de reservas internacionais e de swaps cambiais
Desde a crise financeira de 2008-09, os balanços dos Bancos Centrais dos países industriais expandiram-se enormemente. A causa foi a compra maciça de títulos tanto do setor público como do setor privado praticada por esses bancos para irrigar os mercados financeiros e evitar a repetição do colapso econômico mundial da década de 1930.
O tsunami de liquidez internacional causado por essas políticas chamadas de afrouxamento quantitativo gerou uma tendência de valorização das moedas dos países emergentes, além de um enorme aumento das reservas internacionais de seus bancos centrais. Dessa forma, também os balanços dos bancos centrais dos países emergentes ampliaram-se extraordinariamente desde a crise financeira internacional.
O Brasil não foi exceção a essa tendência. Ao contrário: em relação ao PIB, o balanço do Banco Central brasileiro é hoje um dos maiores do mundo, alcançando quase 50% do PIB. Não se compara com os 90% do PIB do Banco do Japão, mas supera com facilidade os 35% do PIB do Banco Central Europeu ou os 25% do PIB do Federal Reserve dos Estados Unidos.
Em parte, o inchaço do balanço do Banco Central do Brasil teve as mesmas causas da expansão dos balanços dos bancos centrais mundo afora: aquisição de reservas internacionais e compra de títulos do governo através das chamadas operações compromissadas.
Mas em parte o crescimento do balanço do Banco Central do Brasil se deve a uma jabuticaba bem nacional. É que em 2008 o governo brasileiro decidiu que, semestralmente, o resultado contábil positivo da valorização em reais das reservas internacionais deveria ser creditado à Conta Única do Tesouro Nacional no próprio Banco Central. Já o resultado contábil negativo gerado pela desvalorização em reais dessas reservas deveria ser compensado por uma transferência de títulos do Tesouro Nacional para o Banco Central.
Desde 2008, o real experimentou substanciais variações semestrais positivas ou negativas em relação ao dólar. A consequência foi que, num semestre em que havia valorização do real, a Conta Única era creditada; noutro, em que havia uma desvalorização do real, títulos do Tesouro eram transferidos para o Banco Central. Com o passar do tempo, ocorreu um inchaço simultâneo da Conta Única - que hoje dispõe de R$ 850 bilhões - e dos títulos do Tesouro na carteira do Banco - que hoje somam R$ 1,3 trilhão.
Dessa forma, meras variações do valor contábil em reais das reservas internacionais, as quais, ao longo do tempo, entre saldos positivos e negativos, deveriam ter consequências diminutas, resultaram num enorme aumento do balanço do BC graças a uma contabilidade pública no mínimo peculiar.
Não se tratou de uma expansão contábil inocente. Ao contrário, ela permitiu o pagamento das famosas pedaladas fiscais, no final de 2015, com o uso - muitos diriam o abuso - dos recursos artificialmente depositados na Conta Única. A fartura de títulos do Tesouro na carteira do BC, por outro lado, permitiu o mascaramento da expansão da dívida do Tesouro ao longo dos anos, através da substituição de seus títulos em mercado por operações compromissadas do BC.
Trata-se de mais um item da herança ingrata com que os atuais governantes têm que lidar. Além de uma mudança nas regras de provisionamento dos resultados do Banco Central, parece óbvia a necessidade de um encontro de contas para reduzir simultaneamente o saldo da Conta Única e o volume de títulos do Tesouro na carteira do Banco.
Mas é preciso ir além da limpeza das contas para assegurar a separação entre questões fiscais (o "fisco") e questões monetárias (a "moeda") no país. Pois o Banco Central tem hoje importantes responsabilidades parafiscais que exerce discricionariamente sem uma governança apropriada. Prova disso foram as enormes perdas do BC com os swaps cambiais em 2015, que engrossaram o déficit do governo federal, ao serem corretamente computadas como juros sobre a dívida pública.
De forma mais ampla, não deve caber exclusivamente ao BC a responsabilidade de decidir sobre o volume de reservas internacionais (bem como de swaps cambiais). Isso porque essas decisões têm um ônus fiscal significativo, dado pela diferença entre a magra remuneração das reservas e o elevado custo das operações compromissadas que as financiam. Trata-se de decisões às quais o Tesouro Nacional não devia estar alheio. Como alheio não deveria estar a decisões relativas ao saneamento de instituições financeiras públicas ou privadas, que no passado não tão distante causaram enormes prejuízos aos cofres públicos.
Outro tema relevante para a necessária separação entre o fisco e a moeda refere-se ao lastro das intervenções do Banco Central para o controle da liquidez no mercado financeiro. Atualmente, essas intervenções são lastreadas por títulos do Tesouro Nacional que estão na carteira da autoridade monetária, através das operações compromissadas. No passado, o Banco Central emitia seus próprios títulos para lastrear essas operações de controle da liquidez, o que foi vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Como em outros países, um mecanismo que poderia ser considerado é um depósito voluntário remunerado das instituições financeiras no Banco Central. Teria a vantagem de permitir ao Banco executar a política monetária sem para isso ter que obter do Tesouro o funding necessário.
São temas importantes entre tantos a serem enfrentados para a superação da crise fiscal e monetária do país.
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Edmar Bacha é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças. Organizador de "A Crise Fiscal e Monetária Brasileira" (Civilização Brasileira, 686 págs., que será lançado este mês).
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