- Folha de S. Paulo
"O povo brasileiro ainda não está em condições de votar por falta de prática, por falta de educação e porque se vota em geral mais por amizade com os candidatos." Dita por Pelé nos anos 70, a frase marcou época. Numa ditadura que engatinhava para as urnas, discutir a "qualidade" do voto não parecia a prosa mais inteligente. A sentença também marcou o autor, ao sugerir que, sem chuteira, ele tinha pouco a somar, ideia eternizada por Romário: "O Pelé calado é um poeta".
Longe dos gramados de Brasília, Lula falou à vontade na terça (1º), na Universidade Federal de São Carlos (SP), dois dias após a eleição que desidratou o PT. Envolto por plateia reverenciosa e por uma lógica de "nós contra a elite" que sufoca a matemática, concluiu que as pessoas que discordam dele, bloco ora majoritário, "não aceitam que prefeituras progressistas governem este país". Criticou sobretudo os moradores de SP, epicentro de sua derrota: "Aqui o problema é o conservadorismo".
Julgar o voto alheio deveria figurar em qualquer lista das coisas mais ridículas que existem. É um ato até tautológico. O lado derrotado vai de pronto achar absurdo o voto do vencedor. Quem ganha sempre vai ter motivos para elogiar os eleitores —até mesmo incorrendo no cômico, como no caso de Rafael Greca, que atribuiu sua vitória "à inteligência do povo de Curitiba" e que agora lidará com 400 mil pessoas que, na sua ótica, não são tão espertos assim.
Muito diferente é criticar uma ideia ou um candidato. Nesse ponto os argumentos de Lula melhoram: "Ao invés de negar a política, a gente tem que fazer política. Porque a desgraça de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta. E quem gosta é sempre a elite." Os EUA, onde o voto não é obrigatório, corroboram essa tese, como descreveu o professor Marcus André Melo, da Universidade Federal de Pernambuco: lá, o comparecimento às urnas dos 10% mais ricos dos americanos é quase o dobro do dos 10% mais pobres.
Só que reside nesse front outro tipo de problema no discurso do petista. Lula é o brasileiro que mais votos recebeu na história. Foram 280 milhões em sete disputas eleitorais. Essa mesma pessoa achou que não deveria dar o seu voto na eleição de sua cidade, São Bernardo —e dois dias depois defendeu a importância de fazer política. Em outros tempos, as contradições da prosa de Lula até soariam divertidas. Nos atuais, ele se arrisca a parecer tão poeta quanto Pelé.
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