Mauricio Puls – Folha de S. Paulo
O livro "As Contradições do Lulismo: a que Ponto Chegamos?" reúne um conjunto de ensaios fundamentais para entender a história recente do Brasil. Organizados por André Singer (USP) e Isabel Loureiro (Unesp), os artigos explicam os paradoxos e ambiguidades que caracterizaram a atuação do Estado durante as administrações petistas, de 2003 a 2016.
Em "A (falta de) base política para o ensaio desenvolvimentista", Singer, que é colunista da Folha, reconstitui as etapas da política econômica de Dilma Rousseff.
A partir de 2011, seu governo implementou um ousado conjunto de medidas para reduzir os juros, desvalorizar o Real, desonerar a folha salarial e proteger a indústria nacional, com o objetivo de acelerar o crescimento e criar mais empregos.
Para implementar esse plano, contudo, Dilma se desviou da estratégia lulista de evitar confrontos com a elite. Inicialmente entrou em choque com os bancos ao forçar a redução dos spreads bancários. Mais adiante, também adotou medidas que descontentaram os importadores, empreiteiros, agropecuaristas e empresários do setor elétrico, tensionando o pacto político costurado por Lula.
Com isso, as críticas à sua gestão foram ganhando cada vez mais espaço na mídia até que, acuada, a presidente deu um "cavalo de pau" na política econômica após ser reeleita e adotou o ajuste ortodoxo preconizado pelo setor financeiro.
Em "Terra em transe", Ruy Braga analisa o acirramento crescente das contradições provocadas pelo reformismo suave das gestões petistas, que converteram cada programa social em uma alavanca para a acumulação do capital, como aconteceu com os programas Minha Casa, Minha Vida e ProUni.
Nesse esforço para amortecer os conflitos sociais, muitos sindicalistas foram cooptados pelo aparelho estatal e se transformaram em gestores de fundos de pensão ou de outras instituições vinculadas direta ou indiretamente ao Estado.
Enquanto isso, a esfera trabalhista assistia a uma verdadeira "walmartização do trabalho", com a expansão da terceirização e do empreendedorismo, como aponta Leonardo Mello e Souza.
Os movimentos sociais passaram por transformações estruturais. Isabel Loureiro mostra como Lula trocou a reforma agrária por imensos subsídios ao agronegócio e, em menor escala, à agricultura familiar.
Obrigado a se adaptar a esse cenário, o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) desistiu das cooperativas coletivas inspiradas nos kolkhozes soviéticos e investiu na agroecologia, tornando-se o maior produtor de arroz orgânico do Brasil, hoje comercializado em grandes redes de supermercados.
Em "Luta de classes na socialização capitalista", Wolfgang Leo Maar argumenta que o PT manteve a tendência de privatização do Estado herdada das gestões anteriores. Nesse processo, como assinala Cibele Rizek em "Faces do lulismo", a periferia das metrópoles se converteu num nicho de negócios para ONGs que gerenciam a aplicação dos recursos públicos.
Na área cultural, por exemplo, os repasses das empresas realizados por meio das leis de incentivo já respondem por 80% dos investimentos no setor.
Ao final das contas, o petismo concedeu fortes estímulos ao consumo individual, mas nunca "colaborou para que as classes populares saíssem da passividade".
O êxito dessa política dependia da manutenção do crescimento econômico: os assalariados reelegeram Dilma em 2014, mas não saíram às ruas para defender seu mandato quando o país afundou na recessão.
Entorpecida por essa estratégia desmobilizadora, que sempre priorizou a conciliação das classes, a esquerda não conseguiu barrar o impeachment em 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário