- Valor Econômico
• Crivela adotou o rebento que o PT pôs no mundo
Ao longo das cinco eleições majoritárias que disputou no Rio, Marcelo Crivela fez do Cimento Social, um puxadinho precursor do Minha Casa Minha Vida, sua plataforma mais conhecida. O senador do PRB chegou à Prefeitura do Rio no ano do naufrágio do PT e do prefeito Eduardo Paes, aliados na transformação da cidade no oásis de tapumes de um eldorado das obras paradas. O prefeito eleito foi um sócio privilegiado da empreitada. Seu partido filiou o primeiro vice do PT (José Alencar), ocupou ministérios nos governos dos dois presidentes petistas e apoiou Paes.
Eleito, Crivela decretou o fim da era das grandes obras. Escolheu como slogan o cuidado com as pessoas, a melodia do canteiro parado. O discurso pastoral caiu como um bálsamo na chaga da recessão. O PT foi derrubado porque deserdou o rebento que pôs no mundo, a classe C. Crivela foi eleito porque ofereceu-se para adotá-lo num momento em que não apareceu outra luz acesa na favela.
O discurso pastoral cresceu com a falência das UPPs, aposta de uma política participativa para conter a violência. Com mansidão, desmontou o adversário ("Freixo quando não está atacando é encantador"). Parece precipitado, no entanto, apostar que o senador governará à luz dos dez mandamentos. No limite, cultivará a imagem de um gestor 'cristão'.
Das dez maiores bancadas da Câmara dos Deputados, a do PRB foi a que mais cresceu na eleição de 2014 entre outras razões porque cumpriu à risca a pauta da moral conservadora prometida ao seu eleitor de nicho. O projeto de poder acalentado pelo PRB, no entanto, pressupõe que os mandatos majoritários cumpram uma plataforma mais ampla, capaz de diluir a marca, a origem e os pressupostos de um partido nascido e estruturado na religião mais organizada que já surgiu na concorrência ao catolicismo.
O perfil dos eleitos referenda esta repartição. Entre os 22 deputados federais, 20 são da Universal. Dos 106 novos prefeitos, apenas Crivela é um ex-bispo da igreja. Entre os 79 eleitos em 2012 havia apenas um vinculado à Universal, o de Canindé de São Francisco, a cidade sergipana onde morreu o ator Domingos Montagner.
O partido gerencia com habilidade a dicotomia. Os mandatos majoritários são viabilizados, no tempo de TV e no fundo partidário, por bancadas proporcionais que crescem na Câmara com uma pauta regressiva nas liberdades civis.
O PRB é presidido por um ex-pastor que se elegeu como suplente de Crivela ao Senado, mas quem de fato ainda manda na legenda é o também ex-pastor e ex-executivo da Record, Marcos Pereira, ministro da Indústria e Comércio. Aos 44 anos, Pereira chegou desacreditado ao ministério pela inexperiência no setor, mas apostou na conversão dos incrédulos. Compôs com o chanceler José Serra, que lhe tirara a agência de promoção de exportações e com o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, principal interlocutor do presidente Michel Temer no meio empresarial.
Pereira costumava contar os ensinamentos recebidos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre como chegar ao poder: muito dinheiro, um partido robusto ou um grupo de comunicação forte. Com qualquer um dos três, o candidato se torna competitivo. Com dois, ganha a eleição. De posse dos três, liquida qualquer opositor.
Lula, que foi projetado para a política num partido que se pôs em pé com a ajuda das comunidades eclesiais de base, hoje já nem se dá ao trabalho de sair de casa para ir votar, enquanto o PRB, em apenas 10 anos, chegou ao poder na segunda maior cidade do país. Não o fez no confronto às regras do jogo, mas na exploração das oportunidades por elas oferecidas. Enquanto a esquerda se debate com formas alternativas de fazer política na ocupação de ruas e escolas, a Universal estimula a participação no jogo oficial e, a cada eleição, converte mais fieis às urnas.
Numa tese dedicada a esmiuçar a geografia eleitoral eleição dos postulantes da Universal à Câmara de Vereadores do Rio, Danilo Fiani Braga constatou que as candidaturas são montadas a partir do raio de influência dos 240 templos da igreja na cidade. Enquanto os partidos laicos têm guerras fratricidas por territórios, os bispos da Universal cuidam para que não haja superposição de candidaturas no entorno de seus templos.
O partido é tão hierarquizado quanto a Universal. Até assumir um assento na Esplanada, Marcos Pereira visitou 30 cidades em 23 Estados para preparar o partido para a eleição. Baixou resolução que obrigava as cidades com mais de 200 mil eleitores a submeter suas coligações ao diretório nacional do partido. Centralizou as decisões para acompanhar os acertos que os dirigentes locais fariam dos minutos do partido na propaganda eleitoral no rádio e na televisão.
Tinha 50 milhões do fundo partidário para gastar. Reuniu a bancada e explicou que estava disposto a investir nas candidaturas com mais chance de eleição. Em duas horas de reuniu, arrancou o aval dos deputados. No primeiro turno destinou R$ 7,3 milhões para Crivela, o que representou 96% de sua receita, que teve como maior contribuinte individual o dono de uma construtora (CHL), doador de R$ 100 mil.
Celso Russomano recebeu R$ 1,7 milhão a menos. Um ano antes da eleição, numa sala na sede do PRB na zona sul de São Paulo, Pereira contemporizara as chances do pré-candidato do seu partido. Previu que a disputa paulistana teria como principal pivô o governador Geraldo Alckmin, a quem o partido é aliado no Estado.
O partido ainda tem um número diminuto de prefeituras, mas dos dez partidos com as maiores bancadas na Câmara dos Deputados registra o maior crescimento em votos nominais (51%). Neste time das dez maiores legendas apenas três aumentaram seus exércitos de vereadores, PSDB, PSB e PRB. Destas, a de Marcos Pereira foi a que mais cresceu. A partir de 2017, as câmaras municipais terão um terço a mais de vereadores do PRB. O ministro dedicou seu mandato de dirigente a provar que o PRB não era uma legenda de aluguel. Economizou metade do fundo partidário para, em 2018, lavrar a escritura.
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