O governo federal conseguiu um bom reforço de caixa para fechar suas contas e para ajudar administrações estaduais e municipais. Mas será um erro confundir a arrecadação e o uso desse dinheiro com o processo normal de ajuste das contas públicas. São coisas muito diferentes, mas confusões desse tipo são parte da tradição política brasileira.
A regularização de recursos mantidos no exterior proporcionou uma receita extra de R$ 50,9 bilhões. A maior parte desse dinheiro, R$ 38,5 bilhões, ficará com o poder central. O resto irá para os governos subnacionais, por meio dos fundos de participação. “Será uma ajuda crucial para os Estados”, disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, comentando a divisão do novo bolo de recursos.
Com o dinheiro extra, especialmente bem-vindo, ficará bem mais fácil manter o déficit primário da União – sem a conta de juros, portanto – no limite de R$ 170,5 bilhões. Neste ano, até outubro, o buraco nas contas primárias do governo central chegou a R$ 94,48 bilhões. Apesar da folga aparente, a pressão dos gastos deve ser forte no último bimestre, e a receita adicional agora contabilizada será muito útil.
Mais de metade dos R$ 38,5 bilhões servirá para quitar dívidas acumuladas em anos anteriores, os famigerados “restos a pagar”. Limpar esse passivo será parte importante da arrumação das contas públicas. A acumulação de “restos” tem sido uma forma de contornar os limites financeiros e um fator de crescente distorção nas contas fiscais brasileiras.
Usado dessa forma, o dinheiro proveniente da regularização de recursos contribuirá para a arrumação das finanças públicas, mas só haverá de fato disciplina fiscal se a política for independente de receitas extraordinárias. No caso dos Estados, ou de muitos deles, o dinheiro excepcional servirá realmente para a mera cobertura de buracos, isto é, para a solução de problemas imediatos.
No Rio de Janeiro, a Assembleia Legislativa acaba de oficializar um estado de calamidade pública resultante estritamente da má administração. Nenhum terremoto, furacão ou desastre natural de qualquer espécie está na origem do problema. Com o setor público estadual arrasado pela calamitosa gestão governamental, a polícia estadual acaba de lançar um programa de doações empresariais para garantir o funcionamento de delegacias.
Sem chegar à calamidade, outros governos estaduais endividaram-se nos últimos anos, com o beneplácito federal, e agora enfrentam problemas para manter os serviços públicos. Também ganharão um reforço financeiro com a receita da “repatriação”, mas errarão, como se tem errado com frequência no Brasil, se deixarem de implantar políticas de recuperação de suas contas.
Para quem se preocupa com esse risco, a proposta de uma nova etapa de regularização de recursos mantidos no exterior é uma notícia inquietante. Defendida por vários congressistas, a ideia foi recebida com sinais de simpatia pelo ministro da Fazenda. Quanto maior a arrecadação, tanto melhor, comentou, limitando-se a apresentar só uma condição: o novo projeto tem de ser coerente com o primeiro.
Enquanto se discute uma segunda etapa da “repatriação”, examinam-se no Congresso aumentos salariais para nove categorias funcionais. O governo, segundo o senador Romero Jucá, presidente do PMDB, já deu sinal verde para a aprovação desses benefícios. Aumentos para cinco dessas categorias já foram aprovados na Câmara e em seguida serão discutidos no Senado.
Não é caso de discutir, neste momento, se esses projetos atendem aos méritos dos funcionários contemplados. Mas é indispensável decidir se aumentos salariais para o funcionalismo são justificáveis num momento de enorme crise fiscal e de terríveis dificuldades – basta pensar nos 12 milhões de desempregados – para a maioria dos brasileiros.
Se o governo recolher mais dinheiro em uma nova etapa da “repatriação”, ficará mais fácil fechar as contas de 2017 com o déficit primário no limite de R$ 139 bilhões. Mas ajuste de fato, é preciso insistir, é algo diferente – e dificilmente compatível com aumento da folha salarial e de outros gastos de custeio.
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