A semana do fim do mundo caiu sobre o governo e o Congresso com a força das delações dos executivos da Odebrecht, mas nem por isso pode-se dizer que o governo e o Congresso foram acometidos de paralisia letal. Ao contrário, o presidente Michel Temer já havia se antecipado e erguido um escudo de proteção aos ministros citados, quando estabeleceu critérios para a permanência de cada um - afastamento, em casos de denúncia do Ministério Público Federal, e a demissão, no caso de o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar a denúncia e transformar o ministro em réu.
No total, o procurador Rodrigo Janot pediu a abertura de inquérito contra seis ministros de Temer. Ainda não são conhecidas as acusações contra cada um, mas a se considerar o histórico do Ministério Público, uma boa parte deles pode se safar. Na primeira lista de Janot, apresentada há dois anos, o procurador pediu a abertura de inquérito contra 54 pessoas, o STF autorizou a abertura de investigação contra 50, 11 inquéritos foram arquivados e seis acusados com foro se tornaram efetivamente réus. Desses, apenas um está na cadeia: Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, ainda assim preventivamente, pois seu processo ainda não foi a julgamento.
Desta vez, Janot pediu a abertura de inquérito contra 83 pessoas. Além dos seis ministros, há uma penca de governadores. Os políticos envolvidos e as acusações contra eles somente serão efetivamente conhecidos quando o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, determinar a abertura do sigilo das delações nas quais se basearam os pedidos de inquérito. Mas desde já pode-se afirmar que a lista de Janot saiu da especulação e do vazamento, motivos de intranquilidade e instabilidade política, e passou a ser um problema do Judiciário. Cada acusado terá a oportunidade de saber o que pesa contra sua pessoa, constituir advogado e se defender.
É certo que a divulgação dos vídeos dos depoimentos, se autorizada pelo Supremo, deve causar muito tremor de terra. A diferença entre um vazamento e a exibição de um vídeo com detalhada descrição sobre pagamentos de propina pode ser comparada às transmissões de novela nas eras do rádio e da televisão. A corrupção sai do imaginário, torna-se concreta. Ainda assim é pouco provável que a divulgação dos depoimentos venha paralisar o governo. Se algum ministro se inviabilizar politicamente, deve ser demitido, independentemente dos critérios estabelecidos antes pelo presidente.
Temer tem razões para chorar por causa da política, mas bons motivos para sorrir com as notícias geradas pela economia. Depois de 22 meses em queda, quando foram eliminados 2,86 milhões de postos de trabalho, o país voltou a gerar empregos. Segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados na última quinta-feira, 35.612 novos postos foram criados em fevereiro. Esse resultado foi o maior para fevereiro desde 2014, Mas a maré de boas novas não parou por aí. Na mesma quinta-feira, o governo conseguiu vender quatro aeroportos com ágio de 23% sobre o valor mínimo da outorga, sinal de que o país pode vir a recuperar a confiança dos mercados.
Os sinais de recuperação econômica foram também detectados pela agência Moody's de classificação de risco, que na última quarta-feira alterou a perspectiva do ratings dos títulos da dívida do Brasil de negativa para estável. São sinais ainda frágeis, emitidos desde os escombros da destruição econômica provocada pelo governo Dilma Rousseff, que não dispensam a continuidade das reformas econômicas, especialmente a da Previdência Social. Está provado que governo e Congresso podem funcionar sob a Lava-Jato. O governo já fez parte do trabalho, ao elaborar e enviar a proposta para o legislativo. Cabe agora ao Congresso cumprir com suas responsabilidades com o país.
O que preocupa é a insegurança da base de apoio do governo em relação à proposta. A oposição está no seu papel, mas não deveria dar curso a engodos como a afirmação de que não existe déficit da Previdência. Manifestações da semana passada foram expressivas, mas devem ser encaradas com naturalidade: em qualquer parte do mundo o tema reforma da Previdência provoca protestos. A oposição deve ser ouvida e considerada, a proposta deve sofrer mudanças, desde que não inviabilizem seu objetivo, mas a reforma precisa ser aprovada, sob pena de decretar o fim precoce do já curto mandato de Temer.
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