Votação em partidos, em vez de candidatos, contrasta com opção do eleitor e é criticada por beneficiar investigados
Fábio Vasconcellos | O Globo
A atual proposta de mudar o modelo do voto de lista aberta, no qual o eleitor escolhe os candidatos da sua preferência, para o de lista fechada, em que o voto é direto nas legendas, contrasta com uma característica identificada em todas as eleições nacionais desde os anos 1990. O brasileiro já tem a opção de votar nos partidos quando precisa escolher entre deputados e vereadores, mas poucos seguem essa direção. O que sempre prevaleceu foi o voto nominal. A proposta de mudança das regras tem sido criticada porque é vista como uma forma de o atual comando dos partidos dar sobrevida a lideranças investigadas na Lava-Jato, e que possivelmente terão dificuldades de pedir votos em 2018.
Organizados pelo Núcleo de Dados do GLOBO, a partir da base do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os números demonstram que a proporção do voto em legenda foi de 14% para a eleição de deputado federal em 1998. De lá para cá, esse percentual declinou até registrar, em 2014, apenas 8,4% dos votos válidos. Em números absolutos, a perda entre 1998 e 2014, foi de mais de 1,2 milhão de votos. São eleitores que desistiram de depositar o voto diretamente nos partidos, abrindo mão de interferir na ordem dos candidatos que poderiam ocupar uma vaga na Câmara federal.
A proposta de discutir a adoção da lista fechada foi apresentada na semana passada, após uma reunião entre o presidente Michel Temer e os presidentes do Senado, Eunício Oliveira, da Câmara, Rodrigo Maia e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. A medida já havia sido rejeitada pela Câmara em 2015, quando apenas 21 deputados votaram a favor da mudança.
No levantamento feito pelo Núcleo de Dados, o PT e o PSDB conquistaram cerca de 45% do total de votos de legenda da eleição de 2014 para deputado federal. O PMDB, uma dos partidos que lideram o debate para a mudança das regras, ficou com pouco mais de 9%. Na série, o PT, que sempre teve um maior volume dos votos de legenda, vem perdendo espaço para o conjunto dos demais partidos.
O cenário de baixa percentual de votos em legenda soma-se a outro dado que também contraria a atual proposta. A preferência partidária no Brasil vem declinando e atingiu a menor média em 2015 e 2016. O índice é medido em pesquisas de opinião que perguntam para os eleitores se eles têm preferência ou se identificam com alguma legenda. Nada menos que 70% afirmaram que não têm preferência por qualquer um dos partidos. Cientistas políticos consideram razoável o percentual de cerca de 30% de “alguma preferência” no comparativo com outras democracias. Esse percentual, no entanto, não tem se traduzido nas urnas, onde ainda prevalece o voto nos candidatos.
‘MODELO OLIGÁRQUICO’
Para a cientista política Luciana Veiga, da Universidade Federal do Rio (Unirio), os dados sinalizam que o sistema brasileiro é personalista, com os eleitores em busca de nomes que representam os seus interesses locais. Com a lista aberta, ele interfere na ordem dos candidatos que poderão ocupar uma cadeira na Câmara. Mas o número de deputados da lista que serão de fato eleitos depende do total de cadeiras distribuídas para cada partido. Esse número é obtido segundo a soma dos votos de todos os candidatos de cada legenda.
— A maior parte dos brasileiros vota norteada por outras informações e outros incentivos. Vota no deputado que levou recursos para a saúde do município; que ajudou o prefeito no levantamento de recursos para um anel viário; no deputado que faz atendimentos de interesses mais pessoais também. Essa é uma realidade no interior do país, nas periferias dos grandes centros — observa Veiga.
A cientista política chama atenção para os efeitos da mudança proposta, mesmo em listas organizadas pelos partidos com a presença de um candidato da preferência do eleitor.
— O eleitor do deputado localista, acostumado a votar diretamente no seu candidato, pode sentir o impacto de votar numa lista em que seu candidato ocupa o enésimo lugar da lista — lembra Veiga
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A professora e cientista política do programa de PósGraduação da Universidade Federal do Rio Grande do Rio (UFRGS) Silvana Krause diz que o modelo atual, com baixo percentual de votos nas legendas, é resultado também da lógica da disputa dentro dos partidos. Como os candidatos a deputado federal precisam disputar com outros colegas do mesmo partido, as campanhas são centradas nos candidatos:
— Temos uma tradição não partidária e, por não termos uma lista fechada como única opção, o nível de competição interna é muito grande. Os candidatos competem entre si. Nesse modelo, não há incentivo para fazer campanha pelo partido.
Krause chama atenção para os possíveis efeitos da mudança para a lista fechada. Segundo ela, é preciso olhar o sistema político como um todo, já que outras variáveis interferem nos resultados.
— Basta lembrar que o nosso sistema é de lista aberta e, mesmo assim, temos um modelo oligárquico, com as mesmas lideranças ocupando há anos a estrutura dos partidos. É muito semelhante ao que acontece em outros países, por exemplo, onde há oligarquia e o voto é em lista fechada. É preciso ter muita cautela com essas mudanças das regras e os efeitos que supostamente elas vão gerar porque uma única regra não opera sozinha. É preciso olhar o sistema político como um todo — diz Krause.
A proposta de alterar regras do sistema eleitoral nasce menos de dois anos após o Congresso aprovar a minirreforma eleitoral em 2015. A mudança para a lista fechada teria como principal argumento reduzir os custos de campanha, medida que já tinha sido incorporada nas alterações de 2015.
Na minirreforma, os deputados reduziram o tempo da campanha eleitoral de 90 para 45 dias, e acabaram com o financiamento de empresas. Foram aprovados ainda o limite para a contratação de cabos eleitorais, de gastos com alimentação e com aluguel de carros, além de novas regras para a forma de se pedir voto e para a prestação de contas das campanhas.
Apesar das novas regras, a influência de empresas em campanhas continuou, em 2016, com o mesmo predomínio de empreiteiras que se via nas eleições anteriores. Um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou que, do conjunto de doadores dos candidatos a prefeito do Rio de Janeiro, 59 deles doaram, cada um, mais de R$ 30 mil. Só um deles não era ligado a qualquer empresa. Todos os outros 58 desse grupo tinham altos cargos em companhias — como sócio, diretor, administrador ou presidente.
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