- Valor Econômico
Carne Fraca exige hora extra de ministro e presidente
As melhores notícias sobre o Brasil em meses - e a pior - foram divulgadas na semana passada. O saldo de prós e contras são expectativas para esta semana e as questões envolvidas têm potencial para colocar o presidente Michel Temer numa encruzilhada de decisões.
Na semana passada, a agência internacional de classificação de risco de crédito Moody's promoveu a perspectiva do Brasil de "negativa" para "neutra"; o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério foi do Trabalho, anunciou saldo positivo de 35.612 vagas em fevereiro, depois de 22 meses de resultados negativos; o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a relação de pessoas - com foro privilegiado - sob investigação pela Operação Lava-Jato.
A expectativa com a "Lista de Janot" foi aplacada porque muito se falou, antecipadamente, do pedido de abertura de inquérito contra mais de 80 políticos. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, ainda não apresentou os nomes que estarão sob investigação da Corte. Mas já não se espera uma hecatombe nesse estágio do processo.
Ninguém esperava, de fato, a Operação Carne Fraca, deflagrada na sexta-feira pela Polícia Federal, que apura o pagamento de propinas por frigoríficos a agentes agropecuários para assegurar a liberação de atestados e licenças sem a devida fiscalização. A implicação dos maiores frigoríficos do Brasil - destaque entre os maiores exportadores de carne do mundo - nas investigações acabou em hora extra de ministros e do presidente Michel Temer no fim de semana.
Órgãos sanitários de alguns países do mundo, importadores de carne do Brasil, desencadearam cobranças de urgente explicação do governo Temer. E começa a tornar-se evidente que a Carne Fraca pode vir a ter consequências em todo o mercado financeiro doméstico. Além, claro, para a própria indústria.
Um veto do mercado europeu à carne brasileira, já cogitado, pode impor ao Brasil um prejuízo estimado em US$ 15 bilhões por ano em exportações. Com investidores financeiros de portfólio arredios, o Brasil não pode correr o risco de sofrer um baque dessa dimensão em suas contas externas.
O efeito da Carne Fraca no mercado de juros pode derivar da oferta e demanda por carnes e embutidos no mercado interno. Os consumidores serão o fiel da balança. Uma corrida de consumidores a supermercados para comprar carne pode vir a limitar a oferta do produto e produzir um efeito altista em seu preço e na inflação.
Contudo, se os consumidores decidirem evitar a carne no consumo diário uma superoferta pode empurrar os seus preços ladeira abaixo e dar uma colaboração extra para que a inflação decline à meta de 4,50% para este ano - movimento que inclusive vem acontecendo.
Na Bolsa brasileira, o impacto da Carne Fraca tornou-se explícito na sexta-feira. As ações dos frigoríficos levaram um grande tombo, o que muito contribuiu para o arrastão com outros papéis. Não dá para afirmar que haverá saideira de investidores da Bolsa neste início de semana, mas o mercado tem motivo para uma abertura nervosa.
O presidente Michel Temer convocou ministros para discutir o assunto ontem à tarde. E, para conter prejuízos, marcou uma reunião, para esta segunda-feira com embaixadores de países importadores de carne brasileira. O encontro com embaixadores poderá impedir que o presidente compareça à cerimônia de posse do novo conselho da Câmara Americana de Comércio (Amcham) previsto para hoje, tendo o próprio Temer como convidado de honra. O evento reúne 500 CEOs e presidentes de empresas.
A presença de Temer nesse evento era aguardada, já na noite de sexta-feira, quando a Amcham fez um comunicado à imprensa. Na sexta, o presidente esteve em São Paulo, discursou em um evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria e teve sua visão sobre a reforma previdenciária interpretada por agentes econômicos como "mais flexível". Na Amcham, caso compareça, Temer terá uma segunda oportunidade de expor os seus pontos de vista sobre o assunto.
Nesta semana, o presidente pode ficar dividido entre apoiar integralmente a equipe econômica ou seus pares no Congresso Nacional quando esquentar para valer a discussão sobre a Previdência.
Se optar por um ajuste pouco ou nada "flexível" das contas públicas, o presidente tende a impulsionar a imagem positiva de Henrique Meirelles que se tornou porta-voz das reformas fiscais. Henrique Meirelles é hoje ministro da Fazenda, mas não deixou de ser um executivo com pretensões políticas. Político de vasta experiência e advogado constitucionalista considerado exemplar, o presidente Michel Temer não dispõe integramente de três assessores de sua confiança, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha e Moreira Franco, e não deve arriscar perder o bônus do ajuste fiscal - uma economia equilibrada, em condições de crescer com consistência e atrativa o bastante para atrair grandes investidores em infraestrutura.
Se o presidente Temer decidir intermediar negociações entre parlamentares e a equipe econômica para alterar os pontos mais polêmicos da reforma da Previdência, ele pode perder de fato qualquer benefício da reforma; arrisca-se a desautorizar o ministro da Fazenda e ainda poderá desgastar ainda mais sua já baixa popularidade junto à opinião pública.
Manifestações contra a reforma previdenciária ocorreram em várias capitais do país com o apoio de centrais sindicais. Os protestos confirmaram a resistência da sociedade brasileira às mudanças no regime de benefícios e aposentadorias propostas pelo governo. Ao mesmo tempo, o que se viu na Comissão Especial da Reforma da Previdência, na Câmara, foi uma avalanche de emendas sobre o projeto original. O prazo para o encaminhamento das emendas foi encerrado na sexta-feira e as iniciativas de mudar o documento preparado pelo governo partiram da base aliada do governo e não de políticos da oposição.
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