- Valor Econômico
O trabalhador que está empregado pisa nos freios do consumo e contribui, sem saber, para aprofundar a crise
O título desta coluna tomei emprestado de uma deliciosa peça de propaganda que fez muito sucesso entre nós. Faz referência ao primeiro crescimento do emprego formal no Brasil, depois de 22 meses de números negativos, anunciado pelo Ministério do Trabalho na última quinta-feira. Antes de explicar ao leitor do Valor a razão de meu entusiasmo com a criação de pouco mais de 35 mil postos de trabalhos em fevereiro, é preciso fazer algumas qualificações sobre esse número.
O Caged, que faz parte de um extraordinário sistema de estatísticas econômicas que temos no Brasil, reporta mensalmente o saldo entre empregos formais - criados e perdidos - em vários setores da economia. São os chamados empregos com carteira de trabalho assinada. No Caged não são captadas as flutuações dos chamados empregos informais, ou seja, sem carteira de trabalho. As estatísticas desse segmento são capturadas pelas pesquisas de renda realizadas trimestralmente pelo IBGE na chamada Pnad.
O universo representado pelo Caged atinge um total de 34 milhões de trabalhadores, parte de conjunto maior de cerca de 90 milhões de trabalhadores brasileiros. Mas representam uma elite com maior estabilidade de renda e de poder aquisitivo no universo de trabalhadores no setor privado. Feitas essas qualificações vamos agora refletir sobre o porquê entendo a estatística do Caged de fevereiro como um sinal de grande importância para o fortalecimento da recuperação cíclica que estamos vivendo.
Quem acompanha o comportamento do consumidor brasileiro, em vários momentos do passado, conhece o que podemos chamar da "Síndrome do Empregado Desempregado". Desenvolvida principalmente pelos especialistas de mercado de trabalho no Brasil, ela corresponde ao pânico que o desemprego crescente acaba por criar entre os trabalhadores que continuam em seus empregos. Ao acompanhar, seja pelas notícias da mídia seja pela proximidade com pessoas que foram demitidas e amargam o desemprego, o trabalhador pisa nos freios do consumo, aumenta sua poupança pessoal e contribui sem saber para o aprofundamento da crise econômica. É o que vem acontecendo no Brasil nos últimos meses.
A única forma de tirar esses brasileiros do limbo do consumo é reduzir seu pânico por meio de um aumento de sua confiança no futuro em função de informações mais otimistas sobre o mercado de trabalho. Mas isto leva tempo pois a recuperação dos empregos perdidos será lenta em seu início e, o conhecimento de que pessoas próximas estão voltando a ser contratadas, demorado. O que acontece primeiro é uma redução nos sinais de mais pessoas perdendo o emprego e, por isto, esse primeiro número positivo no Caged é tão importante para mim. Com a mudança do humor dos trabalhadores já empregados teremos um aumento do consumo pois sua renda, que está crescendo pela queda da inflação corrente, e sua situação financeira certamente melhoraram em função do aumento preventivo de sua poupança.
Por outro lado, se os números do emprego formal ficarem positivos daqui para frente, podemos inferir que a mesma recuperação estará acontecendo no mercado informal de trabalho. A razão para essa afirmação é muito simples: o custo de demissão no mercado formal é muitas vezes superior ao do mercado informal, o que leva as empresas a serem muito mais conservadoras em retomar o crescimento de seu quadro de trabalhadores formais do que o de informais. Se a contratação formal está aumentando, certamente o mesmo está acontecendo no segmento informal.
Com a retomada da confiança dos que já estão empregados, e que devem representar hoje cerca de 90 milhões de brasileiros (veja a tabela com dados do IBGE), a importância da recuperação dos 3 milhões de empregos formais, perdidos ao longo dos últimos dois anos, tem uma importância menor do que vem sendo atribuída. Em outras palavras, a recuperação do consumo será certamente mais intensa e mais rápida do que o consenso existente nos chamados mercados - e na mídia - hoje, caso a síndrome citada acima se reduza.
Finalmente preciso esclarecer que minha expectativa de que os números do Caged continuarão a ser positivos nos próximos meses vem de uma leitura fria dos indicadores antecedentes de empregos mensurados pela FGV e outros órgão de pesquisa. Estes números ainda são pouco utilizados pelos analistas de mercado e da mídia, mas são tecnicamente consistentes e, last but not the least, foram eles que indicaram antecipadamente a mudança de sinal no Caged.
Se estiver certo nestas minhas previsões sobre o mercado de trabalho, o crescimento do PIB no último trimestre do ano vai realmente surpreender a todos. Meu número é algo como 3,5 a 4,0 % quando comparado com o último trimestre de 2016.
Nota técnica:
Para meus colegas analistas do mercado financeiro quero dizer que sei que o Caged de fevereiro, quando corrigido pelos fatores sazonais, foi ainda negativo. Mas isto não tem a menor importância para a redução da Síndrome do Empregado Desempregado.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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