domingo, 7 de janeiro de 2018

Filme reconstitui a juventude do autor de ‘O Capital’

Luiz Carlos Merten/ O Estado de S. Paulo./Aliás

No Festival de Cinema de Berlim, no ano passado, ao apresentar O Jovem Karl Marx, o diretor e corroteirista haitiano Raoul Peck lembrou seus verdes anos de estudante na Alemanha. “Pertenço a uma geração que lia Marx como hoje se discutem os comics. Acho um desafio trazer Marx para essa geração.” E, realmente, Peck e o também roteirista Pascal Bonitzer conseguiram humanizar a engessada figura de Marx. Esqueça o senhor de vetustas barbas acima. Marx é um jovem jornalista que ganha pouco e sobrevive mal, fugindo de senhorios e da polícia, mas é bom de sexo, bebe muito e adora polêmica. Tem uma alma gêmea feminina – a mulher. Descobre sua alma gêmea masculina, o dândi Friedrich Engels.

Filho de um industrial, Engels desafia o próprio pai e colhe o elogio de Marx por seu estudo sobre a classe trabalhadora inglesa, que também lhe vale um romance. Esses jovens intrépidos e suas mulheres maravilhosas. Talvez, para apreciar as qualidades do filme, o espectador tenha de ser também jovem – em espírito, pelo menos. Difícil imaginar fábula mais moderna, a despeito da linearidade. O Jovem Karl Marx começa com um massacre de pobres que colhem gravetos caídos de árvores numa floresta. Estão roubando? Marx começa ali a discutir a ideia que está no centro do filme: a relação da propriedade com o valor da mercadoria.

Na sequência, polemiza com Proudhon num debate sobre as questões da propriedade, e do roubo. Marx e Proudhon passarão o filme despejando farpas um no outro. Peck não deixa dúvida de que lado está. Marx e Engels são seus jovens mosqueteiros, e o que o filme capta é, no período de 1844 a 48, o princípio de uma epopeia – intelectual, política. Aos que rejeitam o marxismo, o diretor contrapõe com uma atualidade do pensamento de Marx. O trabalho dá valor à mercadoria. O trabalho infantil, escravo, defendido pelo (neo)capitalista amigo do pai de Engels, visa a tornar seu produto competitivo. É desumano, fomenta a desigualdade. Faz parte, dirão os defensores desse estado de coisas.

Unidos, Marx e Engels impõem-se no encontro que transforma a Liga dos Justos de Weitling na Liga Comunista. Criam um novo lema, ‘Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos”, e, a quatro mãos, o Manifesto Comunista. “Um espectro ronda a Europa...” Nesse momento tão conservador, só por existir, o filme de Peck já é uma ousadia. E tudo converge para o clipe final, poderoso.

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