A derrota do PT para uma direita assumida realça o mecanismo de oxigenação do regime pelo voto
É preciso que os dois blocos ideológicos ajudem a pacificar o país, essencial para o enfrentamento dos graves problemas nacionais
A vitória de Jair Bolsonaro, na oitava eleição presidencial direta depois da redemocratização, é o desfecho de uma campanha intensa, com vários ingredientes de elevada combustão. Por isso mesmo, foi um pleito que serviu para atestar a solidez do estado democrático de direito. E consolidá-lo ainda mais.
O fato de um líder popular, Lula, estar encarcerado por corrupção e lavagem de dinheiro, e ainda por cima ter estado à frente em pesquisas eleitorais, colocou no centro dos debates políticos o Poder Judiciário. O PT e advogados do ex-presidente exerceram pressão máxima, de várias formas, legais e outras nem tanto, para que o candidato Lula pudesse tentar despachar no Planalto pela terceira vez.
Mas, para isso, seria preciso desobedecer à Lei da Ficha Limpa, segundo a qual réu condenado em duas instâncias fica inelegível por oito anos. Sem a possibilidade de qualquer mudança na legislação pelas vias normais do Congresso, restaria algum inconcebível contorcionismo em tribunais, numa reinterpretação da lei, para restabelecer a elegibilidade de Lula. Este sim, um “golpe”.
Como se esperava, leis foram respeitadas, norma inegociável num país já com três décadas sob a mesma Constituição, a que restabeleceu o regime democrático e respectivos direitos e liberdades.
Foram em vão pressões políticas, chicanas advocatícias, lobbies e manobras no exterior, inclusive na ONU. Valeu, como deve valer sempre, a decisão do Judiciário brasileiro, poder independente como estabelece a Carta.
A eleição de Bolsonaro, ex-capitão do Exército, deputado federal com sete mandatos, abre um novo ciclo na democracia brasileira. Pois segue-se um governo de direita assumida aos 13 anos de poder petista em Brasília — antecedidos por oito em que o PSDB, legenda de origem social-democrata, ocupou o Planalto.
Com uma pauta conservadora, escolhida pelo eleitor, o novo governo, com militares em seus quadros — Bolsonaro, capitão, mas já um político profissional, porém com o vice e alguns possíveis ministros generais —, será como todos os anteriores. Não importa se contará com militares ou civis. Perante a Constituição, não faz diferença.
Muito além de um gesto diplomático pós-eleitoral, o aceno da conciliação é necessário, devido à intolerância e à agressividade que intoxicaram a campanha. Tendo atingido o clímax no atentado que sofreu o candidato Bolsonaro em Juiz de Fora. Muito antes disso, a radicalização veio sendo fermentada no próprio Palácio do Planalto de Dilma, convertido em barricada para defender a presidente do impeachment de “arma na mão”; ou em ameaças como a de Lula de chamar o “exército de Stédile”. Balelas, mas que ajudaram a envenenar o ambiente.
Toxidade para a qual contribuiu também o candidato do PSL, ao repetir na campanha absurdos proferidos da tribuna livre da Câmara, que ocupava como membro do desimportante baixo clero. Deveria ter percebido que mudara de status.
A pacificação interessa à nação, até porque há graves problemas econômicos que precisam ser resolvidos com a participação do Legislativo, que terá de aprovar leis e emendas constitucionais. O presidente Jair Bolsonaro precisará de votos para isso. O que implica negociações entre situação e oposição, balizadas pelo interesse público.
Não se deve desconsiderar que os dois candidatos chegaram ao domingo com altas taxas de rejeição junto ao eleitorado. Haddad e PT mais que Bolsonaro, este também com índice elevado de não aceitação. Há, portanto, um compreensível mau humor da população com a política e os políticos. Por tudo isso, o resultado das urnas indicou grande divisão na sociedade.
É missão adicional do novo governo fazer um trabalho competente na formulação de propostas, enquanto, da parte da oposição, cabe a ela, sem abrir mão de seu papel, entender que logo no início da gestão de Bolsonaro estarão em jogo questões das quais depende o futuro dos brasileiros, mais especificamente, de forma imediata, dos 12,7 milhões de desempregados e seus dependentes, cujo destino está ligado à reativação efetiva da economia. Não qualquer bolha induzida por gastos públicos. Os desempregados não podem ser reféns da luta político-partidária e ideológica.
Noticiou-se que Lula, de Curitiba, torcia para Fernando Haddad não ser derrotado por uma avalanche de votos. Assim, a oposição (PT etc.) poderá erguer muitos obstáculos à frente do novo governo. Não se duvide, porque o lulopetismo já demonstrou como exerce o poder e faz oposição, quando todos os meios são justificados.
Enfrentar este cenário difícil não será apenas um desafio para governo e oposição, mas também para o próprio regime democrático, com seus pesos e contrapesos.
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