- Correio Braziliense
“Pela primeira vez desde a redemocratização, teremos um militar na Presidência da República, eleito pelo voto direto, secreto e universal”
Toda eleição é uma esperança de mudança. Durante muitos anos, as duas palavras estiveram associadas ao PT, como um mantra para chegar ao poder. A vitória veio para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. A passagem pelo governo federal, porém, associou a esquerda à corrupção e à incompetência administrativa. Isso já havia ocorrido em muitas cidades e alguns estados administrados pela legenda, mas se generalizou em boa parte do país por causa do fracasso econômico do governo Dilma Rousseff e da condenação de Lula pela Operação Lava-Jato. Resultado: a esperança mudou de lado.
Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da República com aproximadamente 55% dos votos válidos, contra 45% de Fernando Haddad (PT). Depois da facada que levou em Juiz de Fora, teve a imagem humanizada e fez campanha praticamente sem sair de casa, pelas redes sociais. Na reta final, venceu o medo disseminado pelos adversários de que implantaria um governo despótico, muito em razão de suas atitudes e declarações de viés autoritário e à imagem de homofóbico e misógino, construída como deputado federal em incidentes na Câmara e com a imprensa. Pela primeira vez desde a redemocratização, teremos um militar na Presidência da República, eleito pelo voto direto, secreto e universal.
O discurso político de Bolsonaro em relação ao seu governo tem matriz positivista, típica da cultura sedimentada nas casernas desde a Escola Militar da Praia Vermelha, o berço do tenentismo, e que está vivíssima no lema da bandeira nacional: Ordem e Progresso. Seu projeto político sempre foi conservador, nacionalista, autoritário, mas sinalizou um choque liberal na economia que está em contradição com essa formação político-ideológica. Para a grande maioria dos brasileiros, porém, mirou a agenda prioritária: o combate à corrupção, ao crime organizado e ao desemprego. As pautas identitárias, que funcionam como uma espécie de gazua do PT para se rearticular nos movimentos sociais e não discutir o próprio fracasso no governo, ficaram em segundo plano para a maioria dos eleitores. Serviram muito mais como um instrumento de chantagem para mobilizar o voto antibolsonaro junto ao chamado “centro democrático”. Essa pauta, porém, alimentou o medo.
Por que Haddad perdeu as eleições? Com Lula na prisão, o PT tem muitas dificuldades para responder. Somente uma autocrítica profunda poderia fazê-lo. Mas não é isso que acontecerá. O partido é prisioneiro de uma narrativa construída para varrer seus erros para debaixo do tapete. Passará à oposição com um discurso antifascista. Outro equívoco: a eleição de Bolsonaro não representa uma mudança de regime; não se pode chamar 57,8 milhões de eleitores de fascistas. Entretanto, não faltarão comparações com a República de Weimar e a chegada de Hitler ao poder.
Precisamos aprender com o Chile, palco da ditadura mais sanguinária da América do Sul. Desde a vitória do “No” no histórico plebiscito convocado pelo general Augusto Pinochet, em 1990, liberais, socialistas e conservadores se revezam no poder, em sucessivas eleições, sem nenhum retrocesso de ordem institucional. A alternância de poder é um pilar da democracia, assim como o direito ao dissenso da minoria oposicionista. Pela primeira vez, desde a eleição de Tancredo Neves, teremos um governo assumidamente de direita. A esquerda, que banalizou o termo, terá de aprender a conviver com isso. Nosso Estado democrático de direito já deu demonstrações de grande resiliência, uma delas foi sobreviver ao maior assalto aos cofres públicos de que se tem conhecimento, o escândalo do petrolão.
Compromissos
Em suas “21 lições sobre o século 21”, Yuval Harari destaca que o gênero humano constitui agora uma única civilização. “Problemas como guerra nuclear, colapso ecológico e disrupção tecnológica só podem ser resolvidos em nível global. Por outro lado, nacionalismo e religião dividem nossa civilização em campos diferentes e às vezes hostis.” Não estamos fora desse processo, cujo epicentro é a crise da União Europeia. A crise venezuelana é um alerta para a América Latina. Bolsonaro sinaliza escolhas nas quais o nacionalismo e a religião têm papel relevante; ao mesmo tempo, se depara com um país divido em três pedaços: um terço votou nulo (2,15%), branco (7,43%) ou se absteve (21,29%. A eleição também traduz a permanência de injustiças e desigualdades regionais seculares no Brasil setentrional.
“Faço de vocês minhas testemunhas de que esse governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Isso é uma promessa, não de um partido, não é a palavra vã de um homem, é um juramento a Deus”, disse Bolsonaro logo após a eleição. “Nosso governo vai quebrar paradigmas, vamos confiar nas pessoas, vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade e construir o seu futuro. Vamos desamarrar o Brasil”, declarou. “Como defensor da liberdade, vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão que cumpre seus deveres e respeita as leis. Elas são para todos porque assim será o nosso governo: constitucional e democrático”, reiterou. Oxalá seja mesmo verdade.
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