- Folha de S. Paulo
Democracia brasileira, que absorvera entrantes do PT no governo federal em 2002, reabriu as portas agora, para o outro lado do espectro
A democracia do Brasil acaba de dar vazão a um profundo e duradouro sentimento de contrariedade com partidos estabelecidos.
O mal-estar se acumulava desde junho de 2013. Rebentou em manifestações inespecíficas de revolta, rompantes de violência e depredações naquele ano. Prolongou-se pela campanha presidencial de 2014, decidida por um punhado de votos.
Irrompeu nem bem reempossada estava a presidente vitoriosa. Alimentado por uma recessão cruel, produziu as maiores mobilizações de rua da história. Propeliu o impeachment de Dilma Rousseff e o mergulho da popularidade de Michel Temer após o escândalo da JBS.
Inflamou o espírito de pequenos proprietários e da porção majoritária da população, que os apoiou, no levante dos caminhoneiros em maio passado. Foi a primeira rebelião de característica autoritária, difusamente golpista, sob o regime de 1988.
Toda essa pressão encontrou em Jair Bolsonaro e outras lideranças excêntricas uma válvula de escape institucional, no sistema representativo. Os representantes da nova direita vão governar, compor ministérios e estatais, lutar para congregar maiorias parlamentares e experimentar a dureza de administrar a máquina federal em condições adversas.
A imprensa livre os vigiará em cada passo da gestão, e não haverá intimidação capaz de fazê-la recuar. Estarão expostos à entropia, que leva ao desgaste e à frustração popular.
A vitória do PT na disputa presidencial de 2002 foi saudada como um marco de renovação e incorporação de novas forças políticas ao establishment. Fez muito bem ao Brasil.
A porta de entrada abriu-se outra vez, demonstrando a capacidade de nossa democracia de absorver atores também do outro lado do espectro.
Quem comprou radicalização à direita de 2013 para cá se deu bem. O que ficou barato agora é parcimônia e racionalidade econômica. São promissoras as condições para um partido social-democrata moderno no Brasil. Mas será preciso arriscar.
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