- Folha de S. Paulo
Brexit expõe bem os problemas que cercam o conceito do sistema
Gostamos de pensar a democracia como o regime em que o povo é soberano e identificamos eleições à expressão da vontade popular. É claro que isso funciona melhor como palavra de ordem do que como um critério aplicável na vida real. O brexit expõe bem os problemas que cercam o conceito.
A maior dificuldade diz respeito ao aferimento dessa suposta vontade. O Reino Unido deverá abandonar a União Europeia (UE) porque a maioria dos eleitores optou pela saída no referendo de junho de 2016. Hoje, contudo, a crer em pesquisas, a maioria não apenas é a favor de refazer a votação como decidiria permanecer no bloco. Qual vontade popular deve prevalecer? Aquela registrada na consulta formal ou a presente, estimada em sondagens?
Não é difícil encontrar bons argumentos para defender qualquer uma das posições. Nenhuma democracia pode dispensar inteiramente os formalismos. Ganha a eleição o candidato que obtém mais votos depositados em urna na data marcada para o pleito, não o sujeito que apareceu algum dia à frente nas pesquisas, hipótese em que precisaríamos trocar de governantes com a mesma frequência com que trocamos a roupa de baixo.
Por outro lado, faz sentido argumentar que agora, após acompanhar as complicadas negociações em torno do divórcio com a UE e familiarizar-se com várias simulações do que pode acontecer com a economia após a saída do bloco, o eleitor britânico está muito mais preparado para votar com conhecimento de causa e tomar a decisão mais sábia.
Por que, então, o governo resiste tanto em convocar um segundo referendo? Porque fazê-lo constituiria um belo golpe contra o processo democrático, já que a consulta para valer foi a de 2016, quando o brexitvenceu. Em resumo, é para preservar a soberania da vontade popular que o governo britânico se recusa a ouvir a vontade do povo. Se soou contraditório, é porque é complicado mesmo.
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