Em mais uma demonstração da politização do Poder Judiciário, juízes trabalhistas promoveram ontem, em dez Estados, atos de protesto contra a sugestão do presidente Jair Bolsonaro de extinguir a Justiça do Trabalho e transferir as ações trabalhistas para a Justiça Federal. Com apoio de advogados e procuradores trabalhistas, os manifestantes impediram o tráfego de veículos em frente a tribunais, durante algumas horas, e lançaram manifestos para “demonstrar a relevância da instituição”.
A proposta de extinção da Justiça do Trabalho foi apresentada por Bolsonaro em entrevista que concedeu dois dias após sua posse. Ele a justificou em nome da supressão de “entraves que dificultam a vida de quem produz”. Segundo o presidente, o Brasil tem um excesso de leis trabalhistas, o que encarece os custos dos empregadores sem que isso resulte em salários mais altos para os empregados. “É pouco para quem recebe e muito para quem paga. Alguém ganha R$ 1 mil e o patrão gasta na verdade R$ 2 mil. Algo está errado. Nos Estados Unidos quase não tem direito trabalhista. Até um ano e meio atrás no Brasil eram em torno de 4 milhões de ações trabalhistas por ano. Temos mais ações do que o mundo todo junto. Não adianta ter direito e não ter emprego. Qual país do mundo que tem Justiça do Trabalho?”, disse Bolsonaro.
Para acentuar a distância entre o que é uma simples intenção e o que pode ser realizado, associações de magistrados trabalhistas reagiram, prometendo promover vários atos de protesto - como o de ontem - e anunciando que arguirão a inconstitucionalidade do projeto, quando for enviado para o Congresso Nacional. “A Justiça do Trabalho tem previsão no artigo 92 da Constituição. Sua supressão - ou unificação - por iniciativa do Executivo representará violação à cláusula da independência harmônica dos Poderes da República e do sistema republicano de freios e contrapesos”, afirmou, em nota, a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público. Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil também criticaram Bolsonaro, que foi apoiado por entidades empresariais. A Confederação Nacional do Transporte acusou o Tribunal Superior do Trabalho de não cumprir determinações da reforma trabalhista que entrou em vigor em 2017.
Com a radicalização das posições, o debate em torno da continuidade ou da extinção da Justiça do Trabalho corre o risco de perder o foco. Ao contrário do que disse Bolsonaro, essa instituição existe em países como a Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França. E, ao contrário do que alegam as associações de juízes, a ideia de extinção da Justiça do Trabalho - que foi criada há sete décadas pela ditadura varguista - não é nova. Por muito pouco ela deixou de ser fundida com a Justiça Federal, durante a votação da Emenda Constitucional n.° 45, que introduziu a reforma do Judiciário e foi aprovada em 2004, com apoio do presidente Lula, antigo líder trabalhista.
Na verdade, o debate gira em torno de dois pontos. Um deles diz respeito às mudanças no mercado de trabalho causadas pelo desenvolvimento tecnológico. Com a crescente complexidade da economia, os postos de trabalho se diversificaram a tal ponto que a imposição de uma legislação específica funciona como uma camisa de força nas relações de emprego. Foi por isso que a reforma trabalhista de 2017 procurou valorizar o princípio de que o negociado entre as partes prevalece sobre o que está estatuído.
O segundo ponto diz respeito ao gigantismo da Justiça do Trabalho. Ela conta com cerca de 1,5 mil varas, 24 tribunais regionais e um tribunal superior integrado por 27 ministros, tendo em 2017 consumido R$ 18,2 bilhões dos cofres públicos, dos quais 94% foram gastos com recursos humanos. Ora, se a tendência é de que a legislação trabalhista seja cada vez mais enxuta e as relações entre patrões e empregados sejam negociadas, qual a necessidade de manter esse oneroso e pesado aparato judicial?
Esses dois pontos é que devem prevalecer num debate objetivo sobre a extinção da Justiça do Trabalho.
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