- O Globo
A estridência obscurantista foi substituída pelas vozes da razão e da tolerância
Reunir em cinco dias mais de cem autores brasileiros e alguns estrangeiros para debater ideias é arriscado neste momento em que as divergências de opinião costumam se transformar em ódio, as diferenças, em hostilidade e bate-boca.
Pois o VIII Fliaraxá, uma invenção de Afonso Borges, colocou em prática essa ousadia entre os dias 19 e 23 passados de tal maneira que o resultado levou uma senhora que assistia a uma das 30 mesas de debate a comentar, incrédula: “Acho que não estamos no Brasil”. Ela se referia ao clima de respeito entre os palestrantes e de confraternização entre os que foram assistir.
Como todas as atividades estavam concentradas num só local — o Grande Hotel Termas — autores e leitores se encontravam nos elevadores, no café da manhã, no almoço, no parque, ou seja, podiam fazer o que cada vez mais é mediado por uma tecnologia — a internet, o telefone, a TV. Ali havia o contato real, a conversa, o olho no olho. Os autores saíram de lá conhecendo melhor os seus leitores, e vice-versa.
A estridência obscurantista foi substituída pelas vozes da razão e da tolerância. Em Araxá, foram elas que se fizeram ouvir não só nas discussões sobre praticamente todos os aspectos da literatura como sobre temas não literários: democracia, condição feminina, desigualdade social. Nesse capítulo, ressalte-se a participação do sociólogo Sérgio Abranches e da historiadora Heloisa Starling. Carismática, divertida, bem-humorada, ela é a prova de que o saber não precisa ser enfadonho. Sem dúvida, foi a mais animada e luminosa presença.
O homenageado do VIII Fliaraxá foi Valter Hugo Mãe, excelente escritor, simpático, um humor irresistível, onde vai arrasta uma multidão. Um fenômeno.
Há muitos destaques que ficam aqui de fora por falta de espaço, mas acho que vale a pena registrar o momento que minha neta Alice chamaria de o “mais fofo”: foi quando o homenageado abriu a camisa e mostrou no braço a tatuagem da palavra “amigo”, escrita com a caligrafia de Ignácio de Loyola Brandão, que subiu ao palco para um demorado abraço. E o autor de “Zero” beijou a tatuagem. A plateia delirou.
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