- O Estado de S.Paulo
No Legislativo, reformas avançam, suprindo o vácuo deixado pelo governo.
A primeira etapa da reforma da Previdência foi vencida. Não é a melhor versão, mas reforma boa é reforma aprovada. Não fosse a intervenção do próprio governo talvez tivéssemos conseguido acabar com as desigualdades no sistema de seguridade. Junto com policiais, professores garantiram aposentadoria precoce.
Passada essa etapa, tem gente pedindo para o presidente começar a governar. Mas Bolsonaro governa – nos assuntos que ele curte. Reinterpreta a Constituição em conceitos fundamentais, como “o poder emana do povo” e “o Estado é laico”. Seus 28 anos de vida parlamentar não serviram para aprender ideias democráticas tão básicas. A última novidade é a indicação do filho para embaixada nos EUA. Nepotismo é o de menos. Se ele fosse pai de um San Tiago Dantas, ainda vá lá. Pelo jeito, a mamata está longe de acabar. Talvez seja melhor mesmo os filhos distantes do que por aqui. Deveria indicar logo os três.
Apesar de Bolsonaro, o País vai avançando. No Legislativo, reformas, como a tributária, avançam, suprindo o vácuo deixado pelo governo. Melhor assim do que a volta da CPMF. A sociedade espera com ansiedade o anúncio do plano econômico com propostas que tragam alguma esperança. Quanto mais cedo melhor.
Enquanto isso, boas notícias vêm da área de energia. A privatização da Eletrobrás, única grande estatal a ser vendida neste governo, foi confirmada. Também de lá vem a decisão de abrir o mercado de gás natural. Herança da greve dos caminhoneiros de 2018, quando o País acordou para os efeitos negativos do domínio da Petrobrás.
A competição é muito mais eficiente que tabelamento. O Termo de Cessação de Conduta (TCC) assinado entre Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e Petrobrás acaba com o monopólio de fato da empresa e é mais completo que sua política de desinvestimentos. Nenhum monopolista abre mão de seu poder por livre e espontânea vontade. A Petrobrás vinha anunciando a venda de subsidiárias conforme sua conveniência, para reduzir seu endividamento. O TCC organizou e ampliou a saída da estatal em vários elos da cadeia de óleo e gás.
O anúncio do novo modelo foi feito com a pompa e a circunstância que o tema merece. Mas o viés político da cerimônia deixa os que viveram o populismo tarifário da ex-presidente Dilma Rousseff apreensivos. Guedes prometeu um choque de energia barata: uma queda de 40% nos preços do gás em dois anos. O projeto anunciado demanda radical mudança na legislação, que, por sua vez, exige cuidadosa análise de impacto regulatório e audiências públicas. O investidor precisa de segurança jurídica e regulatória. O governo pretende introduzir competição na distribuição de gás, que é um monopólio natural. E, pela Constituição, uma responsabilidade dos Estados. Como será feito isso ainda é uma incógnita.
Pelo termo de conduta, a Petrobrás terá de vender sua participação na Gaspetro, empresa que controla 19 distribuidoras estaduais. A Mitsui é sua sócia e, provavelmente, tem direito de preferência na compra das ações. Será preciso encontrar uma forma de venda que evite a simples troca de mãos. Uma das ideias é reagrupar essas concessionárias em blocos, vender para diferentes grupos, para criar padrões de eficiência, contribuindo para uma regulação adequada após os anos de monopólio da Petrobrás. Essa reorganização societária não é tarefa para o curto prazo.
Distribuidoras
Em alguns Estados, as distribuidoras já estão privatizadas com contratos longe do fim, como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. Ainda assim, o governador carioca virou garoto propaganda do governo federal, de olho no acesso ao Plano Mansueto, que dá tratamento especial a quem se comprometer com a privatização. Para vender a CEG Rio outra vez, só quebrando o atual contrato e retomando a concessão. É óbvio que a ANP não vai permitir que agências estaduais façam isso. O risco jurídico afastaria qualquer investidor, não só nesta área, mas para toda infraestrutura.
Não está claro ainda como os consumidores residenciais, que são cativos, serão beneficiados. Os olhos do governo estão voltados para o setor industrial. O novo modelo cria consumidores livres e a estimativa oficial é que quase metade da demanda da indústria passe a ser suprida por fornecedores independentes. São grandes clientes hoje atendidos pelas distribuidoras, que, se não forem compensadas de alguma forma por essa perda de receita, terão de pedir reajuste na tarifa residencial para garantir o equilíbrio econômico e financeiro da concessão. O choque de 40% será para quem, afinal? Há muito a ser esclarecido. O ótimo é inimigo do bom, mas a pressa é inimiga da perfeição. Só com um modelo competitivo muito bem desenhado os preços irão cair. Quanto e quando, só o mercado dirá.
*Economista e advogada
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