- O Globo
Haddad diz que a oposição evitou o pior na reforma da Previdência e avalia que o governo Bolsonaro ainda não tem um rumo
O governo Bolsonaro não disse a que veio, ele ainda não se apresentou, não trouxe nada autoral. Essa é a avaliação feita por Fernando Haddad, candidato do PT que perdeu para o atual presidente nas eleições de 2018. Ele discorda de que a esquerda tenha ficado isolada na votação da reforma da Previdência, porque acredita que muitos pontos que poderiam atingir os mais pobres foram tirados, como a mudança no BPC, pela ação da oposição. Ele acha que quem perdeu foi o ministro da Economia, Paulo Guedes.
— A (esquerda) teria ficado isolada se o governo tivesse aprovado o projeto dele. Guedes perdeu sua principal proposta que era a capitalização.
Ele falava que a capitalização era o ponto de honra dele e teve que abrir mão. Isso se deve à mobilização que a oposição fez e que sensibilizou uma boa parte da base do próprio governo — disse Haddad em entrevista que me concedeu ontem na Globonews.
Ele acha que a oposição até agora teve um papel importante também na educação, porque ajudou a “acender a chama da resistência” na área, que, como lembra, tem a sua própria capacidade de mobilização. Segundo Haddad, este é o papel da oposição:
— Em qualquer democracia, a oposição tem que construir alternativas às propostas do governo e submetê-las ao Congresso para que faça a mediação.
Eu perguntei sobre a contradição de o PT ter feito, no governo Lula, uma reforma que acabou com a paridade e a integralidade de servidor público e ter aprovado agora essas mesmas garantias, e uma idade mínima de 53 anos, para policiais federais e legislativos, exatamente como Bolsonaro queria:
— Eu não falo em nome do partido. Mas eu sou a favor da construção de um sistema único para a Previdência. Acho que no horizonte de algumas décadas, porque isso não se constrói do dia para a noite, mas pensando em 10, 20 anos, nós devíamos mirar o objetivo de uma sociedade democrática que é o de ter o regime único de Previdência. Isso é o que eu defendi na campanha e vou defender ao longo da minha vida. Não consigo ver um princípio de justiça social que não esteja contemplado por essa ideia.
O governo Bolsonaro lançou esta semana um programa novo que estimulará as universidades a buscarem parte da sua renda através da captação de recursos junto a empresas, até em leis de incentivo, o Future-se. Fernando Haddad disse que o temor que ele tem é que o governo reduza os recursos públicos, dependendo da captação que for feita. Prefere o sistema de autonomia das universidades de São Paulo, em que se garante um mínimo orçamentário e há a liberdade de gerir os recursos de captações junto ao setor privado.
Perguntei qual é o principal erro do governo na educação. Haddad ocupou o Ministério da Educação por sete anos. Ele disse que se a gente for olhar para os dados sem viés, objetivamente, fica claro que o país conseguiu alguns avanços: a matrícula do infantil aumentou bastante, o fundamental foi universalizado pelo governo Fernando Henrique, elevouse a matrícula na universidade. O que o país errou mais foi com o ensino médio:
—Ele está a cargo dos governadores e não está funcionando. Mas o desempenho não é igual no país todo. Alguns estados como Pernambuco, Goiás, Espírito Santo, Piauí, Amazonas, Ceará estão dando exemplo de que é possível melhorar o ensino médio. É preciso disseminar as boas práticas. O problema é que o governo está tentando inventar uma agenda que não existe.
Haddad teve 47 milhões de votos mas nem por isso se transformou numa grande liderança do PT. Como ele explica isso?
— Eu nunca fui da engrenagem do partido. Nunca participei de disputa interna, sempre fui uma pessoa de carreira acadêmica que estava disponível para um projeto político no qual acreditava —diz.
Haddad explica sua candidatura pelo fato de que o ex-presidente Lula acreditava que seria mesmo o candidato do PT. Mas, quando seu nome foi impugnado, ele acabou escolhido. Nega que vá concorrer à prefeitura de São Paulo. Diz que tem buscado o diálogo com pessoas de outros partidos. E sobre o PT, afirma que o partido terá que se rever, se reposicionar, fazer um balanço dos seus erros e acertos.
Sobre os rumos do governo Bolsonaro, Haddad disse que seu alento é a sociedade brasileira. “Ela é complexa, forte e tem tradição de reação.”
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