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A família acima de tudo
Embora a causa fosse indefensável, o presidente Jair Bolsonaro valia-se de argumentos que até poderiam soar razoáveis a ouvidos de leigos para justificar a indicação do seu filho Eduardo ao posto de embaixador do Brasil em Washington.
Eduardo é fluente em inglês e espanhol, dizia o pai. É enturmado com o pessoal da Casa Branca, dizia o pai. Foi elogiado em público por Donald Trump, dizia o pai. Morou um tempo nos Estados Unidos onde aprendeu a fritar hambúrguer, dizia Eduardo.
O pai dizia mais. Eduardo tem muito faro para negócios. Sabe defender os interesses do Brasil. Ele será os olhos e os ouvidos do pai que precisa dos seus serviços. De resto, sua nomeação está longe de ferir a lei do nepotismo, acredite quem quiser.
Mas como Bolsonaro não seria Bolsonaro se não falasse pelos cotovelos e não dissesse muitas idiotices, ele usou seu programa semanal no Facebook para voltar ao assunto pela terceira vez, somente ontem. Anteontem, foram quatro vezes.
Então deixou de lado o que antes repetia para assombrar o mais devotado dos seus devotos com as seguintes declarações:
“Lógico, que é filho meu, eu pretendo beneficiar filho meu, sim. Pretendo, se puder, dar filé mignon, eu dou, mas não tem nada a ver com filé mignon, nada a ver, é realmente, nós aprofundarmos um relacionamento com um país que é a maior potência econômica e militar do mundo”.
“Se eu quiser hoje, eu não vou fazer isso jamais, chamo o Ernesto Araújo, falo: O Ernesto vai para Washington, que eu vou botar o Eduardo no Ministério da Relações Exteriores”.
Quer strip-tease moral mais escandaloso? O presidente da República confessa que quer beneficiar um dos seus filhos designando-o para o cargo mais importante da diplomacia brasileira. Podendo dar filé mignon ao filho por que não daria?
É um raciocínio tão primário, tão rudimentar e tão anti-republicano quanto seu autor. Se a lei do nepotismo permitisse a nomeação de Eduardo, a confissão do seu pai deveria bastar para barrá-la de uma vez. Fosse este país naturalmente sério.
Acredito na sinceridade de Bolsonaro quando ele afirma que deseja apenas beneficiar seu filho. Nos seus quase 30 anos como deputado, ele pôs a família acima de tudo, empregando parentes em gabinetes, elegendo os filhos vereador, deputado e senador.
Essa história de Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, é slogan de campanha para tocar a alma dos eleitores. A dos evangélicos foi tocada pelo batismo de Bolsonaro nas águas do Rio Jordão. A facada de Juiz de Fora se encarregou do resto.
A autenticidade de Bolsonaro, antes assaz louvada pela massa de indignados que resolveu virar o país de ponta a cabeça, acabará mais dia menos dia se voltando contra ele. Está mais para ignorância e despreparo do que para autenticidade.
O que a decisão de Toffoli esconde
Nada é como parece
Dá-se de barato que a decisão do ministro Dias Toffoli de proibir que órgãos de administração do governo compartilhem informações fiscais com o Ministério Púbico foi para beneficiar o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado por suspeita de corrupção. Beneficiou, sim, e também a milhares de pessoas que se encontravam nas condições de Flávio. Mas isso não explica tudo.
Ao suspender processos abertos com base em dados repassados ao Ministério Público pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão do Ministério da Economia, Toffoli beneficiou a si mesmo, e a colegas de tribunais que foram ou poderiam ser alvos de investigações. De quebra, contribuiu para tentar interromper a sangria provocada pela Lava Jato.
Há um ano, a revista eletrônica Crusoé, do site O Antagonista, publicou que Toffoli recebia desde 2015 uma mesada de R$ 100 mil da sua mulher, a advogada Maria Rangel, o que totalizaria desde então R$ 4 milhões. E que a área técnica do Banco Mercantil, onde os valores eram depositados, havia encontrado indícios suficientes para suspeitar de lavagem de dinheiro.
Em fevereiro último, o ministro Gilmar Mendes enviou ofício a Toffoli onde pediu a adoção de “providências urgentes” para apurar a iniciativa de auditores fiscais de investigar a ele e a seus familiares sem que “nenhum fato concreto” motivasse a devassa nas suas contas. Toffoli procurou Paulo Guedes, ministro da Economia. O COAF negou que investigasse Gilmar. Ficou por aí.
O passo seguinte de Toffoli foi abrir inquérito para descobrir a origem de fakenews. Designou o colega Alexandre de Moraes para cuidar do assunto. A primeira coisa que Alexandre fez foi censurar o site O Antagonista por ter publicado um e-mail do empresário Marcelo Odebrecht que se referia a Toffoli como “amigo do amigo do meu pai”. O amigo de Emílio, pai de Marcelo, era Lula.
O COAF deveria ter sido transferido do Ministério da Economia para o Ministério da Justiça. Mas como isso reforçaria o poder de investigação do ministro Sérgio Moro e da Lava Jato, a proposta do governo acabou derrotada no Congresso. Muitos parlamentares, ali, respondem a processos por corrupção. Querem mais é ver Moro pelas costas, e a Lava Jato enfraquecida.
Se Flávio não tivesse lucrado com a decisão de Toffoli, a essa altura ela já estaria sendo atacada pelo presidente Jair Bolsonaro e sua legião de devotos, ácidos desafetos da Justiça. Mas, não. Todos estão fazendo cara de paisagem.
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