quinta-feira, 18 de julho de 2019

Pedro Ferreira* e Renato Fragelli*: Retomada lenta mesmo

- Valor Econômico

O imediatismo nacional prefere políticas de demanda que aliviam temporariamente o desemprego

A aflição gerada pela letárgica recuperação da economia, com seus 13 milhões de desempregados, tem levado alguns analistas a defender um aumento dos gastos públicos. Uma análise menos apaixonada do problema, entretanto, mostra que não há alternativa à atual estratégia de insistir na implantação de reformas estruturais, deixando ao Banco Central e às concessões de infraestrutura a tarefa de atuar contra-ciclicamente.

No país do jeitinho, da improvisação, e da tolerância com os grupos de interesse organizados, o adiamento de reformas estruturais - únicas medidas capazes de aumentar permanentemente a oferta agregada - sempre foi um traço marcante das políticas econômicas. O imediatismo nacional prefere políticas de demanda contra-cíclicas, que aliviam temporariamente o desemprego, mas que gestam a próxima colisão adiante. Somente após uma crise profunda surgem condições políticas para se implantar decisões difíceis que foram longamente adiadas. Episódios históricos ilustram a tese.

Após crescer aceleradamente durante a década de 1950, os imensos desequilíbrios estruturais lançaram a economia numa paralisia. No início da década de 1960, a estagnação, acompanhada de crise cambial e inflação de três dígitos, pavimentaram o caminho para a traumática derrubada de João Goulart. Durante o governo Castello Branco, implantaram-se reformas estruturais que criaram as condições para a retomada do crescimento a partir de 1968. A propaganda do regime cunhou a equivocada expressão "milagre econômico" para denominar um fenômeno que nada tinha de sobrenatural, pois se tratava da mera colheita de frutos arduamente semeados.

Provando que o imediatismo nacional não era mazela exclusiva de governos democráticos, após os movimentos estudantis de 1967, o regime buscou no crescimento acelerado a legitimidade que não ganhara nas urnas. Em vez de perseverar na redução da inflação a um dígito, política esta que teria exigido o adiamento da retomada do crescimento, optou por um modelo tupiniquim de crescimento inebriante de 10% ao ano com inflação em nível "tolerável" de 20%. A crise do petróleo de 1973 impôs a redução do crescimento para 7% e elevou a inflação para 30%. Após a segunda crise do petróleo em 1978, o ajuste estrutural foi ensaiado, mas acabou logo abandonado. O resultado foi uma década e meia de inflação galopante, planos de estabilização mirabolantes acompanhados de breves surtos de crescimento, seguidos de nova explosão inflacionária.

Somente após a profunda recessão dos anos Collor surgiram as condições políticas para a implantação de uma nova rodada de reformas com o Plano Real. O governo FHC consolidou a estabilização inflacionária, tendo implantado mudanças institucionais tão importantes quanto as de Castello Branco, com o mérito de tê-lo feito em regime democrático. Mas FHC não conseguiu ir tão fundo em suas reformas, bem como não teve a felicidade de colher o crescimento semeado durante seu governo. Quem o colheu foi Lula, cujo ministro Palocci chegou a propor uma reforma fiscal de longo prazo, mas teve que deixar o governo depois do episódio Francenildo. Após a eclosão do Mensalão, Lula foi buscar no crescimento acelerado, favorecido por um grande boom de commodities, o apoio político que a corrupção lhe subtraía. A crise do subprime em 2008 serviu de justificativa para dobrar a aposta em uma política contra-cíclica que, diante de um crescimento de 7,5% em 2010, viabilizou a eleição da desconhecida Dilma Rousself.

Dilma, que nunca acreditou em ajuste fiscal, tentou prolongar artificialmente um crescimento já insustentável. Sua política econômica desastrosa foi mantida até as eleições de 2014. Uma vez reeleita, a dura realidade da crise por ela gerada custou-lhe o cargo. Temer iniciou o doloroso ajuste ainda hoje em curso. A profundidade da crise foi tamanha que o país dificilmente atingirá em 2020 o nível de renda per capita que tinha em 2010. Foi a segunda década perdida em apenas quatro décadas.

É importante entender que a letargia atual decorre do fato de que, a partir de 2015, o Estado iniciou uma inadiável redução de seu peso na demanda agregada, mas o setor privado tem sido lento na ocupação do espaço deixado. Para isso é fundamental a reconquista da confiança da sociedade na solvência do Estado. O primeiro passo é a reforma da previdência, infelizmente já enfraquecida pela exclusão de estados e municípios. O segundo, uma reforma administrativa que aproxime gradualmente a remuneração de servidores à realidade observada no setor privado. Com uma dívida que cresceu aceleradamente de 50% do PIB para 80%, entre 2014 e 2019, não há espaço para uma política fiscal contra-cíclica.

A ação anti-cíclica virá de outras frentes. Com a inflação abaixo da meta, o regime de metas prevê que o BC reduzirá ainda mais a taxa de juros. As reformas microeconômicas no crédito darão novo impulso ao consumo familiar e ao investimento de pequenas empresas. Os investimentos privados em infraestrutura previstos nas concessões em gestação impulsionarão o nível de atividade. Em seguida virão as medidas microeconômicas que simplificarão a gestão empresarial, como a reforma tributária e o aprimoramento do marco regulatório de setores estratégicos.

A agenda é longa, pois foi adiada por muito tempo. O açodamento pode por a perder as conquistas já alcançadas. O país não deve, como no passado, se deixar dominar pelo imediatismo inconsequente elevando os gastos públicos.

*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento

*Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV

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