quinta-feira, 18 de julho de 2019

Bernardo Mello Franco: Rancores tribais

- O Globo

Theresa May fez um alerta contra a difusão dos discursos de ódio. A premiê disse que o debate público está sendo abafado pela intolerância, o que também ocorre por aqui

A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, está em contagem regressiva. Deixará o cargo na semana que vem, depois de seguidas derrotas no Parlamento.

Será a segunda premiê derrubada pelo Brexit, o tumultuado divórcio britânico com a União Europeia.

Ontem a conservadora fez um pronunciamento de despedida. Em tom grave, ela alertou para a polarização que está “embrutecendo o debate público”. “Alguns estão perdendo a capacidade de discordar sem achincalhar a opinião dos outros”, afirmou.

A premiê disse que as redes sociais amplificaram os discursos de ódio. A internet virou terreno fértil para a radicalização, onde “as visões mais extremas tendem a ser as mais notadas”. “O rebaixamento do nosso debate a rancores tribais é corrosivo para os valores democráticos que todos devemos procurar defender”, advertiu.

O novo populismo segue uma receita conhecida: elege um bode expiatório, como os imigrantes, e propõe soluções fáceis para problemas complexos. “As palavras têm consequências”, lembrou May, “e podem nos conduzir a um lugar obscuro, onde o ódio e o preconceito definem o que as pessoas dizem e fazem”.


Críticos lamentaram que a premiê tenha demorado tanto a fazer o alerta. Enquanto esteve no poder, ela preferiu contemporizar com o radicalismo, numa tentativa de atrair os radicais para o seu lado. A estratégia deu errado, e agora os conservadores devem entregar o governo ao populista Boris Johnson.

May ressaltou que a radicalização da política não se restringe ao Reino Unido. Se estivesse no Brasil, a observação seria desnecessária. Na sexta passada, a fúria obscurantista invadiu a Festa Literária de Paraty. Militantes bolsonaristas tentaram impedir o jornalista Glenn Greenwald de falar. Chegaram a lançar rojões na direção do público, sem qualquer reação da PM.

Nesta terça, a Feira do Livro de Jaraguá do Sul cancelou um convite à jornalista Míriam Leitão e ao sociólogo Sérgio Abranches. Os organizadores se curvaram a uma campanha virtual contra a ida dos autores à cidade catarinense. Ao desistir do debate, deram mais uma vitória à tribo da intolerância.

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