- Valor Econômico
Setor apresenta proposta ao governo para reduzir perdas
A oferta de crédito educativo a estudantes de baixa renda é prática comum em muitos países. No Brasil, as universidades federais e as estaduais, que não cobram mensalidade, não têm como atender a demanda por ensino superior. Em 2015, o número de federais representava 14,5% do total das instituições que oferecem curso superior.
Não há dúvida de que as instituições privadas têm um papel a cumprir. Outro fato incontestável é que existe uma falha de mercado no financiamento estudantil. O acesso ao crédito privado é caro e difícil porque estudantes carentes não possuem garantias a oferecer aos bancos, que por essa e outras razões cobram juros altíssimos, inviabilizando a tomada de empréstimos. A bem da verdade, juro alto é um problema no Brasil justamente para quem necessita de crédito - estudantes carentes, pequenos empresários, trabalhadores de baixa renda.
Nos tempos de inflação crônica, o governo federal disponibilizava crédito educativo por meio da Caixa Econômica Federal. A União pagava as mensalidades e, uma vez formados, os estudantes recebiam carnê com prazo bem dilatado para honrar o crédito recebido. Como os valores não eram corrigidos pela inflação e esta chegou ao alcançar quatro dígitos na primeira metade da década de 1990, as prestações viravam pó rapidamente, facilitando a vida dos ex-estudantes.
Outras formas de crédito foram criadas depois e a que prevaleceu, antes do modelo adotado pelo governo Dilma Rousseff, exigia dos alunos fiança para garantir o crédito. Em 1999, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que manteve, até 2010, volume estável de contratos - entre 30 mil e 80 mil por ano.
Em 2012, as condições de acesso ao Fies foram alteradas para estimular a concessão de bolsas de estudo a qualquer custo. Os incentivos para que isso se materializasse foram os piores possíveis, do ponto de vista tanto pedagógico quanto da responsabilidade fiscal. Para que um estudante tivesse direito ao Fies bastava procurar uma faculdade particular. O risco de inadimplência era todo assumido pelo Tesouro. Não havia, também, limitação orçamentária, porque o programa era financiado por meio de emissão de títulos públicos. As faculdades particulares informavam ao governo quantos estudantes admitiram via Fies e a "Viúva" se endividava no mercado para honrar a conta.
A lei dos incentivos é infalível. Um estudo de 2017 feito pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do então Ministério da Fazenda, intitulado "Diagnóstico Fies", mostrou que, de 2009 a 2015, o número de instituições de ensino superior públicas saltou de 245 para 295, uma alta de 20%. O volume de matrículas cresceu de 1,4 milhão para 1,8 milhão, aumento, portanto, de 35%. No mesmo período, o número de estudantes matriculados com recursos do Fies pulou de 182 mil para 1,9 milhão, mesma quantidade de alunos das federais e avanço médio anual de 280 mil.
A inadimplência do Fies, como era de se esperar, foi aos píncaros - em 2015, 52% das mensalidades não eram pagas; hoje, as perdas do Tesouro situam-se na faixa entre 50% e 60%. Em 2015, o governo adotou critérios mais rígidos de seleção dos estudantes, como nota mínima no Enem e exigência de qualidade mínima dos cursos.
Relatório oficial do Tesouro revela que, apesar das melhorias, o risco de inadimplência continuou bastante concentrado no governo federal, devido à ampliação dos contratos que usavam o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (Fgeduc), "sem a devida contribuição [para esse Fundo] por parte das Instituições de Ensino Superior (IES) e com incentivos adversos". Resultado: o custo Fies continuou alto e, apenas em 2016, a despesa superou a impressionante soma de R$ 32 bilhões. Tem mais, informa o Tesouro: a União tem uma despesa anual em torno de R$ 1 bilhão com a taxa de administração dos contratos.
Enquanto a inadimplência do Fies promovia rombos nos cofres públicos, acionistas das escolas privadas de ensino superior, entre eles grandes fundos estrangeiros de participações acionárias ("private equity", na expressão em inglês) se refestelavam de tanto ganhar dinheiro fácil. O modelo forjou a criação de grandes conglomerados educacionais. O governo Temer reformulou o programa, a festa não acabou, mas as escolas perderam valor no mercado.
A Abraes, entidade que representa o setor, contratou a McKinsey para fazer um estudo do Fies. A partir do trabalho, elaborou propostas para reduzir as perdas provocadas pelo programa. No Fies reformado pelo governo Dilma em 2015, a distribuição das perdas estava assim, considerando custo de R$ 22,6 mil por aluno: 9,2% do total para as instituições de ensino, dentro do Fgeduc; 43,8% para o governo; 35,8% por conta do subsídio implícito; e 11,5% do total de taxa de administração.
No novo Fies, o custo total do programa para o governo recuou para R$ 12,8 mil por aluno, assim distribuído: a perda absorvida pelas faculdades aumentou para R$ 4,4 mil (34,3% do total); a conta do governo federal recuou para R$ 500 (0,4%); o subsídio foi reduzido para R$ 5,3 mil (41,4%); e a taxa de administração elevou-se para R$ 2,7 mil (21%).
A Abraes apresentou ao governo propostas para reduzir a inadimplência do Fies, que continua alta. Entre as sugestões, constam: desconto da mensalidade na folha de pagamento dos ex-alunos; maior responsabilidade de cada IES sobre a inadimplência de seus egressos; aceleração de pagamento para egressos com grandes ganhos salariais; pagamento único durante o curso, feito diretamente ao banco; ajuste no valor das parcelas, com valores nominais mais baixos no começo; reajuste no contrato com bancos para incentivar a recuperação de dívidas; utilização de funding público e juros subsidiados de 6,5% ao ano; valores pagos pelo aluno durante o curso unificados em um pagamento único feito diretamente ao banco; durante o curso, a porcentagem paga pelo aluno do valor total do curso variando de acordo com a renda familiar per capita.
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