- Folha de S. Paulo
Com renúncia de Theresa May, saída britânica da UE já derrubou dois primeiros-ministros
Três anos depois do plebiscito que decidiu pelo brexit, o único “exit” (saída) até agora produzido é a porta aberta do número 10 de Downing Street, residência e gabinete dos primeiros-ministros britânicos, pela qual já saiu David Cameron e, em breve, sairá Theresa May.
Mas, a bem da verdade, a pira que consome os conservadores nas suas relações com a Europa já queimou líderes com estatura bastante maior, caso, por exemplo, de Margaret Thatcher. E de seu sucessor, John Major.
Todos foram obrigados a deixar Downing Street porque não conseguiram unificar o Partido Conservador em torno de uma política para as relações com a Europa.
De certa maneira, aplica-se a todos eles o sardônico comentário de Marina Hyde, colunista do Guardian, para a batalha pela liderança dos conservadores, que corria surda até agora e será escancarada com a partida de May.
Hyde chamou a luta pela liderança como “uma espécie de acampamento de verão para adultos excluídos, com atividades que incluíam fratricídio agravado".
Na verdade, toda a política britânica transformou-se nesse ridículo acampamento de verão, a ponto de o mais antigo Parlamento do mundo —e, como tal, teoricamente o mais capaz de demonstrar sensatez— ter rejeitado todas as hipóteses de saída da União Europeia. A dura, a branda, a mais ou menos —nenhuma delas angariou votos suficientes para ser aprovada. É a causa mais imediata do “exit” de May.
Prova de que foi o conjunto do mundo político o que fez papel ridículo está dada pelas pesquisas que apontam o fracasso de conservadores e trabalhistas na eleição para o Parlamento Europeu, realizadas quinta-feira (23) mas cujos resultados só saem domingo.
As pesquisas colocavam à frente, disparado, Nigel Farage, o folclórico político que criou o Ukip (Partido pela Independência do Reino Unido) e dele saiu para se lançar agora pelo Partido do Brexit. O único programa dessa agrupação é tirar o Reino Unido da Europa. O que fazer depois, nem pio.
Vale o mesmo para o mais provável sucessor de Theresa May, o também folclórico Boris Johnson, ex-prefeito de Londres, ex-ministro do Exterior. Foi um dos líderes da campanha pelo brexit e quer lustrar sua biografia com o rótulo de ter sido o premiê que tirou o Reino Unido da Europa. Mas é outro que não diz o que fazer depois.
A confusão é absolutamente natural: o Reino Unido está dividido praticamente ao meio entre os “leavers” (os que querem sair) e os “remainers” (que preferem ficar). O plebiscito deu 52% a 48% para os primeiros, margem insuficiente para sacramentar uma iniciativa tão impregnada de dificuldades e perigos.
Tantos perigos que o brexit acabou tendo um efeito paradoxalmente positivo para a União Europeia: o caos por ele provocado acabou fazendo com que “as forças antieuropeias em alguns países se vissem obrigadas a substituir sua oferta de abandonar a UE pela de ‘reformá-la’ por dentro", escreveu para El País Jaume Dauch, porta-voz do Parlamento Europeu.
No Reino Unido, no entanto, o cenário de combate fratricida não muda com a renúncia de May. Nem entre os conservadores nem no conjunto dos partidos políticos. No público em geral, só se poderia saber se houvesse uma nova votação, a única maneira de fazer com que o acampamento de verão se transformasse em um exercício sério de política.
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