- O Globo
O ministro Paulo Guedes deu uma indicação de que o Brasil pode vir a desfavorecer a empresa chinesa na guerra do 5G. Na visão de autoridades políticas, o país cometerá um grande erro se entrar por razões ideológicas no conflito entre Estados Unidos e China por essa nova tecnologia. Em entrevista no fim de semana, Guedes disse que desde a pandemia surgiu uma “suspeição geopolítica” em relação à China por causa do Covid-19. E fez um paralelo. “Se os serviços de segurança, se o serviço de comunicação todo fosse interrompido, porque teve uma crise na China e eles desligarem lá uns botões?”
Segundo o ministro da Economia, “se não houvesse esse problema geopolítico, essa suspeição com regimes… criou-se uma suspeição na Europa inteira, nos Estados Unidos, que é a seguinte: será que eles demoraram a comunicar que essa crise era pandêmica, que era um problema sério? Fecharam uma província aqui, mas continuaram viajando para o exterior?” Caso não houvesse isso, segundo Guedes, o Brasil poderia “deixar o americano brigar com o chinês, com os nórdicos, e ver quem nos serve melhor”.
Esse delicado assunto tem sido acompanhado com lupa, até pelo motivo que o próprio ministro disse, nessa mesma entrevista concedida à CNN Brasil: o “5G é a nova fronteira da revolução digital e nós precisamos estar atuais”. Paulo Guedes fez um longo caminho entre a pergunta e a resposta. Passaram-se exatos 17 minutos nos quais ele circunavegou a história mundial, passou pela revolução francesa, entre outros eventos fundantes da civilização ocidental. Ele disse que o Brasil pertence ao grupo das democracias, lembrou o momento em que disse aos líderes russo e chinês que eles deveriam respeitar o nosso sistema democrático, sem tentar interferir. Teria sido na reunião do G-20 e logo após as manifestações chilenas. Acabou chegando na resposta. Apesar dessa diferença de regime, Guedes disse que o país, em condições normais, diria: “politicamente nós estamos do lado de cá, mas sempre que me perguntarem sobre economia eu diria que a gente dança com todo mundo.”
Tudo isso ocorreu em má hora, segundo Paulo Guedes. “Seria interessante deixar a competição funcionar, deixar a Ericsson, de um lado, a Huawei, de outro. Nessa hora que devíamos dar um mergulho vem essa primeira nuvem de suspeita e cria um problema geopolítico no que era algo estritamente econômico.”
Isso não é um assunto simples, de fato. Mas, primeiro, as acusações feitas à China na pandemia são parte da campanha americana. O presidente Donald Trump, da forma irresponsável de sempre, tem feito acusações aos chineses nesta pandemia sem comprovação, e o Brasil nada ganha se abraçar essa versão dos fatos. Os desmiolados do bolsonarismo dizem isso, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro, mas o ministro da Economia não deveria abraçar essa versão conspiratória. Segundo, hoje, as empresas que estão no Brasil e oferecem serviços de 4G usam tecnologia chinesa.
A sueca Ericsson e a finlandesa Nokia têm ganhado mais contratos desde que começou a guerra americana contra a Huawei. A Nokia comprou empresas americanas remanescentes da AT&T. A briga é antiga, mas está se acirrando, e o que o governo americano quer é o banimento da chinesa dos países aliados. Se o Brasil, sem avaliar vantagens e perdas, aderir aos Estados Unidos pode se dar muito mal. Paulo Guedes é mais uma autoridade brasileira jogando palavras estranhas contra o nosso maior parceiro comercial.
O problema é a maneira descuidada como se trata a relação com a China no governo Bolsonaro. O presidente, na campanha e logo após a posse, fez declarações infelizes. Já teve o então ministro da Educação fazendo tuítes racistas, o deputado Eduardo Bolsonaro fazendo acusações sem comprovação. Quando o embaixador chinês protestou, foi novamente criticado, desta vez pelo ministro das Relações Exteriores, que, em qualquer país do mundo, é aquele funcionário que apaga incêndios diplomáticos em vez de ateá-los. Na visão de Paulo Guedes, o Brasil não foi tão atingido pelo choque externo porque não é aberto ao mundo. Na verdade, foi porque a China aumentou suas compras de soja e de proteína animal. A declaração de Paulo Guedes põe mais lenha na fogueira.
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