- O Globo
Pressão por governo que produza algum tipo de milagre econômico não é pequena
É imensa a minha curiosidade sobre como terão sido as reuniões ministeriais anteriores — àquela de 22 de abril — no governo Bolsonaro. Quereria saber se em alguma outra o superministro da Economia terá sido desafiado — ainda que em menor grau — como então.
Note-se que o encontro fora convocado pelo general Braga Netto, da Casa Civil, para tratar do Pró-Brasil — um PAC com chancela militar. Ali, chamado de dogmático, com a agenda posta em xeque sem qualquer defesa do chefe, viu-se um Paulo Guedes exposto, sob pressão, diria mesmo acuado, daí por que reativo; emparedado pelo discurso de alguns colegas, o principal desafiante sendo logo aquele, Rogério Marinho, oriundo da equipe econômica guedista, mas que não se constrangeu para falar em reconstrução da economia com o Estado como indutor e defender o endividamento público como efeito circunstancial de uma quadra em que governos precisariam rever suas austeridades.
Marinho, sujeito correto, hábil articulador político e com boa capacidade de realização, não falava só por si ou por Braga Netto e Tarcísio de Freitas. Sua ascensão à condição de ministro — e dos mais influentes — coincide com a associação do centrão ao Planalto, movimento do qual foi o maior operador, e representa agenda dita positiva, de obras públicas populares, que incluirá um Minha Casa Minha Vida para chamar de seu.
Rogério Marinho, não à toa do Desenvolvimento Regional, compreendeu rapidamente o espírito do tempo. Entendeu que a peste estabelecia nova convenção social para a função econômica do Estado, e que tal vento favorecia a que Bolsonaro se livrasse finalmente da carcaça eleitoral de 2018 e acelerasse a troca de pele para exibir, com vistas a 2022, o que sempre foi: Ustra nos costumes; Tarcísio na economia.
Lembre-se que, mais tarde naquele 22 de abril, o Pró-Brasil seria apresentado —e sem qualquer representante do Ministério da Economia.
Ainda no encontro ministerial, a primeira reação de Guedes à virada de maré foi tentar cativar Bolsonaro por meio da adesão ao louvor ideológico. O Posto Ipiranga era alguém que compreendia Weintraub. A partir dali, no entanto, o superministro avançaria — transformando-se — para se ajustar à realidade que se impunha; sobretudo ante um presidente que se encantaria, nas semanas seguintes, pelo que lhe oferecia o advento do auxílio emergencial à população pobre.
De início resistente ao valor afinal definido, e intransigente sobre a possibilidade de a ajuda ser prorrogada, Guedes de súbito passaria a falar em emprego e renda como prioridade, e se tornaria líder das articulações em prol de um programa de renda mínima, já denominado Renda Brasil, colosso que pretende incorporar o antigo Bolsa Família e expandir — a partir do cadastro de beneficiados pelo auxílio — a base de favorecidos em muitos milhões.
Incapaz (antes da pandemia) e afinal impossibilitado de reformar o Estado, Guedes — para sobreviver —reformou a si; talvez crente em que a concessão desenvolvimentista de agora, financiando Bolsonaro à reeleição, seria investimento em poder tocar as reformas no segundo mandato. Um risco monumental; porque não se pode controlar um poderoso eleito quando entorpecido pelas recompensas personalistas de um Estado provedor. Um risco também se considerarmos que o atual rigor fiscal em defesa do teto de gastos pode se esgarçar a depender de quem sejam os próximos presidentes do Senado e da Câmara.
A pressão por um governo que produza algum tipo de milagre econômico não é pequena. O Brasil Grande está no DNA de Bolsonaro e viria lastreado por demanda popular para que o Estado seja a mão que embale a economia. De sua parte, enquanto apregoa a fantasia de que o país decolava quando achatado pela praga, Guedes também troca de pele para não ser a pele deixada no caminho.
A flexibilização do Posto Ipiranga — primeiro aderindo à palestra ideológica, depois ao que seria assistencialismo populista — não deveria surpreender. Falamos daquele que encarna um plano liberal exclusivamente econômico, uma jabuticaba, que prescindiu — na origem — da porção política do liberalismo para servir a um projeto autocrático, reacionário e com ímpeto para a revolução, acreditando que esse arranjo impossível pudesse ser justificado por um conjunto de reformas (sempre empurrado ao futuro) cuja premissa seria a estabilidade, a previsibilidade, de que o bolsonarismo é perfeito avesso.
E não se pode descartar a hipótese de que não haja flexibilização alguma; de que Guedes seja mesmo isto, mais Bolsonaro do que se queira admitir, trocando de pele para mostrar o que é. Pastor suicida de uma fé que promoveria reformas liberais sob governo antiliberal; fiador consciente — vendendo sonhos que os fatos já confrontaram — de um projeto de poder populista e autoritário a ser a própria corda que lhe tomará o pescoço e levará também para a forca a ideia de liberalismo neste país.
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