“O agronegócio não precisa da Amazônia”, disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em mais uma resposta a quem culpa o setor pela devastação da maior floresta tropical do mundo. A defesa é correta, assim como a observação sobre os interesses comerciais – e sobretudo protecionistas – de muitos desses acusadores. A ministra, além disso, cumpre seu papel ao defender juros mais baixos, numa resposta indireta a comentários de banqueiros sobre a política ambiental. Sua fala seria mais completa, no entanto, se três fatos fossem reconhecidos: as queimadas têm aumentado, a orientação oficial favorece a destruição e o grande promotor dessa política é o presidente da República.
Seria enorme surpresa, é claro, o reconhecimento desses fatos numa entrevista ou numa declaração pública, exceto se a ministra estivesse disposta a sair do governo. Mas ela mostra interesse em permanecer e continuar seu trabalho. Melhor para o País. O Ministério da Agricultura tem sido, como já se observou, uma ilha de seriedade num arquipélago de incompetência, despreparo, ignorância dos interesses de Estado e politicagem rasteira.
A ministra sabe disso, naturalmente. Não precisaria estar na vergonhosa reunião de 22 de abril para conhecer as aberrações em vigor no Ministério do Meio Ambiente. Antes de conhecer a declaração do ministro Ricardo Salles sobre aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, o mundo todo sabia, ou podia saber, do afrouxamento da proteção ambiental, da interferência na fiscalização e do abandono de grupos indígenas à violência de invasores.
Essa política é desastrosa para o ambiente e também para os direitos humanos em seu nível mais elementar. A proteção desses direitos também foi cobrada na carta enviada por 29 grupos investidores a embaixadas brasileiras. Vidas de índios importam, poderiam ter escrito os autores da carta, confrontando o ex-ministro da Educação, contrário a expressões como “povos indígenas”.
A ministra tem razão quando aponta motivações comerciais no debate sobre a política ambiental brasileira. Não se trata só disso, mas é claro o envolvimento de grupos protecionistas, especialmente na Europa. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, é o grande fornecedor de argumentos ao protecionismo europeu – ajudado com eficiência pelos ministros do Meio Ambiente e de Relações Exteriores.
O presidente fala em desinformação e menciona uma possível campanha de propaganda para esclarecer o mundo. Mas será facílimo responder a qualquer campanha com gravações do presidente, de seus ministros e da humilhante reunião de 22 de abril. Além disso, informações de satélite sobre a Amazônia são acessíveis em todo o mundo. O presidente pode contestá-las, como já contestou, mas ciência e tecnologia, desprezadas no Palácio do Planalto, são levadas a sério em outros países.
Ciência e tecnologia, aplicadas com seriedade e competência, transformaram o Brasil num dos maiores produtores de alimentos e de matérias-primas de origem agropecuária. Desde os anos 1980 as colheitas cresceram muito mais que a área plantada, graças aos ganhos de produção por hectare nas lavouras de soja, milho, arroz, feijão, algodão, amendoim e trigo, entre outras. Também houve grandes ganhos de produtividade nos cultivos de café, açúcar, mandioca e frutas. Tudo isso ocorreu graças à pesquisa e à melhora das práticas de uso e de conservação de solos. O agronegócio conquistador de mercados modernizou-se, nas últimas décadas, sem precisar da Floresta Amazônica. Na atual safra de grãos e oleaginosas, estimada em 250,5 milhões de toneladas, a contribuição da Região Norte é de 11,2 milhões e a do Estado do Amazonas, de 41,7 mil.
Graças à sua eficiência, o agronegócio continua exportando vigorosamente e sustentando o superávit brasileiro no comércio de bens. O trabalho diplomático da ministra da Agricultura tem sido essencial para a superação de problemas criados pela irresponsabilidade ambiental do presidente e pelas grosserias de ministros contra parceiros importantes, incluída a China.
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