É péssimo uso das prerrogativas presidenciais a iniciativa do presidente Jair Bolsonaro de interferir na política de preços dos combustíveis para ajudar os caminhoneiros, uma de suas bases eleitorais. O Brasil passou por manobra semelhante com o congelamento de preços do governo Dilma Rousseff, tentativa vã de conter a inflação — e a Petrobras se tornou a empresa mais endividada do mundo no setor. Com o reajuste de ontem, resultado da flutuação natural de mercado, a gasolina já encareceu 22% este ano, e o óleo diesel, 11%. Seguem de forma inexorável a cotação do petróleo, que reage depois de haver desabado na pandemia.
Já
é sintomático que a Petrobras tenha anunciado ter alterado de trimestral para
anual o prazo limite nas revisões de preços. Pois agora Bolsonaro pretende
enviar um projeto de lei complementar ao Congresso mudando o ICMS que incide
sobre o diesel e todos os combustíveis. É uma ideia tão estapafúrdia que atrai
oposição dos governadores e poderá tumultuar o Parlamento, prejudicando a
tramitação de pautas urgentes como o Orçamento de 2021 e as reformas, em
especial a tributária, que deveria tratar do tema em definitivo, não de forma
pontual e demagógica.
Se quisesse agir de modo menos estabanado, o governo teria a alternativa de reduzir a alíquota do PIS-Cofins para o diesel. Foi o que fez Michel Temer em 2018 para, com outras concessões, pôr fim à greve de caminhoneiros apoiada pelo então deputado e candidato a presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que fizesse isso, a Lei de Responsabilidade Fiscal exigiria que o corte de receita tributária fosse compensado. Cada centavo cortado dos R$ 0,3515 que o imposto representa no litro de diesel reduz em meio bilhão de reais a arrecadação, elevando ainda mais o déficit público.
Ninguém
que acompanha o setor de perto acredita que a ideia tem chance de vingar.
Governadores e assembleias legislativas, às quais caberá fixar as alíquotas do
ICMS, não aceitarão perda de receita. Se o imposto passasse a ter um valor
fixo, outra hipótese bolsonarista, quando o preço subisse na bomba em virtude
de repasses de aumentos nos custos (câmbio, cotação do petróleo), os estados
também reivindicariam receitas maiores.
Outro
efeito nefasto da intervenção de Bolsonaro é afastar qualquer interessado em
comprar as oito refinarias que a Petrobras deseja vender. Sem garantia de que
os preços internos de combustíveis refletirão o custo real, a estatal terá de
esquecer seu projeto de venda de ativos para se capitalizar.
A
demanda do diesel é alta no Brasil em virtude do aumento artificial da frota
brasileira de transporte rodoviário, como resultado das políticas de incentivo
à compra de caminhões adotadas no governo Dilma, com financiamento subsidiado
do BNDES. A proliferação de caminhões gerou superoferta de transporte, e Temer
foi pressionado a tabelar o frete. Sem êxito, como em qualquer tabelamento.
Toda
intervenção no mercado acaba por gerar distorções. Quando os preços refletem as
condições de mercado, os sinais corretos são transmitidos aos investidores.
Quando agrados são distribuídos a categorias politicamente protegidas, quem
paga o custo final é o consumidor, para quem tudo acaba saindo mais caro. Não é
coincidência que o Brasil dependa tanto do transporte rodoviário e tenha criado
ao longo dos anos tão poucas alternativas na forma de ferrovias ou
hidrovias.
Celeridade na aprovação de vacinas não pode abrir mão de segurança – Opinião | O Globo
O
Programa Nacional de Imunização contra a Covid-19 mal consegue deslanchar
devido à falta de vacina. Mas os embates em torno da vacinação incipiente não
param. Na quinta-feira, o Senado aprovou uma Medida Provisória que dá cinco
dias para que a Anvisa autorize o uso emergencial de imunizantes que já tenham
aval de pelo menos uma entre nove agências estrangeiras. Imediatamente surgiram
atritos.
No
texto original, o prazo para a autorização era de 72 horas. E só havia quatro
agências (EUA, UE, Japão e China). No atual, foram acrescentadas outras cinco:
Canadá, Reino Unido, Coreia do Sul, Rússia e Argentina. A inclusão acelera a
aprovação de vacinas como a indiana Covaxin e a russa Sputnik V, que conta com
lobby poderoso de parlamentares do Centrão.
O
presidente da agência, Antônio Barra Torres, reagiu mal. Considerou o prazo
“irreal”, ameaçou ir ao STF e informou que pedirá ao presidente Jair Bolsonaro
para vetar esse trecho da MP. Disse ainda não saber de onde surgiram os cinco
dias — a que chamou de “matemática de padaria” — e acrescentou que os dez
previstos hoje para autorizar o uso emergencial (ou 60 para registro
definitivo) são adequados. Os ânimos se acirraram ainda mais porque o líder do
governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), um dos defensores da
Sputnik, disse ser desejo do Congresso “enquadrar” a Anvisa para agilizar a
análise das vacinas.
É
indiscutível que o momento exige celeridade. São mais de 231 mil mortos pela
Covid-19, o segundo maior número em todo o mundo. Quase um ano depois do
primeiro registro do novo coronavírus no Brasil, a pandemia permanece fora de
controle. O Amazonas vive uma tragédia humanitária sem precedentes. Em tal
contexto, não se devem impor amarras à aprovação de vacinas. Mas isso não
significa que a análise deva ser descuidada.
A
própria Anvisa tem flexibilizado suas normas. Na semana passada, aboliu a
exigência de estudos da fase 3 no Brasil para conceder registro de uso
emergencial. É um sinal de que nem todas as regras são imutáveis. Mesmo que a
Anvisa não esteja imune à interferência política — em novembro, numa decisão
aplaudida pelo presidente Jair Bolsonaro, interrompeu os testes da CoronaVac
por um evento adverso que nada tinha nada a ver com a vacina — , demonstrou
independência do bolsonarismo em janeiro, ao aprovar por unanimidade a mesma
CoronaVac.
O
essencial é a Anvisa conjugar celeridade na aprovação com segurança da vacina.
Cinco dias parecem prazo suficiente para aprovar registros que já tenham aval
de agências de reputação internacional, como é o caso da FDA, dos EUA. Mas a
aprovação para uso emergencial de vacinas no país não pode se transformar num
cavalo de batalha, sob o risco de atrasar ainda mais a vacinação, que já tem
demorado bem mais do que deveria. Embates, disputas políticas, brigas judiciais
e pedidos de veto em torno de tema tão sensível não favorecem ninguém — a não
ser o vírus que espalha mortes pelo país.
O teto não é o vilão – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
suposta dificuldade de encontrar recursos para o auxílio emergencial tem
alimentado um discurso irresponsável para justificar a ruptura do teto de
gastos
Não há dúvida de que o poder público deve se mobilizar para encontrar espaço no Orçamento para atender os milhões de brasileiros que perderam renda em razão da pandemia de covid-19. Junto com a vacinação em massa, a retomada do auxílio emergencial deve estar no topo das prioridades dos políticos e das autoridades em todas as esferas administrativas.
Não
foi por outra razão, aliás, que os novos comandantes do Congresso manifestaram
que a imunização e o socorro financeiro são suas únicas preocupações no
momento. Já o governo de Jair Bolsonaro expressou reticências sobre uma nova
rodada de auxílio emergencial, mas é questão de tempo até que suas reservas
sejam superadas pela perspectiva de potenciais ganhos eleitorais, única motivação
do presidente.
Assim,
a volta do auxílio emergencial é apenas uma questão de tempo – e depende,
sobretudo, da formulação de uma arquitetura financeira que não agrave a
periclitante situação fiscal do País. Nesse aspecto, a suposta dificuldade de
encontrar recursos em razão das limitações constitucionais, em especial o teto
de gastos públicos, tem alimentado um discurso irresponsável que justifica a
ruptura desse teto como um imperativo moral, ante a inegável necessidade de
amparar milhões de cidadãos sob ameaça de fome.
Não
é à toa que muitos dos que advogam essa ruptura são os mesmos que tudo fizeram
e fazem – há tempos, desde antes da pandemia – para desacreditar o teto de
gastos, atribuindo a essa restrição todos os males sociais do País. Trata-se de
uma questão absolutamente falsa.
É
perfeitamente possível encontrar recursos, respeitando-se o teto, para atender
os brasileiros ora necessitados. O presidente do Centro de Liderança Pública,
Luiz Felipe D’Ávila, disse ao site Poder360 que
a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 147/2019, que elimina os chamados
“penduricalhos” agregados aos vencimentos de funcionários públicos, por
exemplo, já seria suficiente para implementar um auxílio de até R$ 250. “Temos
que aprovar a PEC dos Penduricalhos, que é o fim de privilégios absurdos da
elite do funcionalismo público. Isso tem um custo absurdo para a Nação. Com
esse superávit, podemos financiar o programa de auxílio emergencial”, disse
D’Ávila.
Essa
seria apenas uma das várias maneiras possíveis de manejar o Orçamento para o
socorro aos necessitados sem desrespeitar o teto de gastos. O economista Marcos
Mendes, em artigo no site Brazil
Journal, apresentou nada menos que oito propostas. Uma delas seria
direcionar parte das emendas parlamentares excepcionalmente para o pagamento do
auxílio.
Soluções
como essas, contudo, exigem habilidade e vontade política, pois seria
necessário enfrentar a poderosa corporação do funcionalismo e também convencer
os parlamentares a mudar a destinação de parte das bilionárias verbas a que têm
direito para investir em seus redutos eleitorais. Como se vê, o obstáculo não é
o teto de gastos, mas a acomodação da elite política em seus feudos de poder.
É
preciso lembrar, sempre, que a responsabilidade fiscal é a garantia da
preservação da maior conquista econômica brasileira desde a redemocratização: o
controle da inflação, cuja manutenção em patamares civilizados estimula
investimentos de longo prazo, mantém o poder de compra da moeda, permite a
redução dos juros e, assim, ajuda a conservar o endividamento público em nível
administrável – o que, por sua vez, mantém os preços comportados, num círculo
virtuoso. Sem o teto de gastos, tudo isso desmorona.
Ademais,
o teto de gastos é fundamental para o debate democrático sobre as prioridades do
País. Ao estabelecer um limite para a despesa pública, o instrumento obriga os
brasileiros a discutirem, por meio de seus representantes políticos, qual deve
ser a destinação dos impostos arrecadados, com a consciência de que os recursos
são finitos. Aqueles que não gostam de controle, que preferem manter os
privilégios de quem se julga dono do Orçamento e que estão somente preocupados
com o atendimento de seus interesses paroquiais imediatos continuarão a
vilanizar o teto de gastos. Para esses, na prática, o teto só se aplica aos
pobres.
Patacoada presidencial – Opinião | O Estado de S. Paulo
Sem
entender relação entre imposto e preço, Bolsonaro insiste em mexer na
tributação
O mais despreparado e mais incompetente chefe de governo da história brasileira, Jair Bolsonaro, voltou a falar bobagens sobre preços e impostos, depois do novo reajuste para combustíveis anunciado pela Petrobrás. Ele continua misturando impostos e aumentos de preços, como se a alta dos valores cobrados pela gasolina, pelo diesel e pelo gás de cozinha fosse causada pela tributação.
O
objetivo evidente é acalmar uma parte de seu eleitorado, especialmente os
caminhoneiros por ele apoiados, em 2018, quando bloquearam estradas e
prejudicaram milhões de pessoas. Os desinformados, como aqueles do cercadinho,
podem até aplaudir a patacoada presidencial, mas nenhuma criança treinada nas
quatro operações e habituada a raciocinar engolirá a baboseira.
Complicado
para o presidente e seus assemelhados, o assunto, no entanto, é razoavelmente
simples. Calculado como porcentagem sobre um valor básico, o tributo estadual –
porque disso se trata – simplesmente segue a variação do preço, assim como um
passageiro acompanha o sobe e desce de um avião. Enquanto o tributo for
calculado sobre um preço base, um dado essencial permanecerá: o imposto
indireto seguirá atrelado às oscilações desse valor.
O
besteirol nem é novidade, embora o presidente de vez em quando amplie seu
repertório. Há muito tempo ele fala em mexer no Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), o maior tributo estadual. A conversa tem
aparecido, de modo geral, quando o encarecimento dos combustíveis causa
incômodo mais sensível. Os caminhoneiros têm reclamado e o presidente Bolsonaro
se empenha, normalmente, em tratar muito bem esses eleitores.
Desta
vez ele propôs, entre outras alterações, a cobrança de um valor fixo, em vez de
uma porcentagem sobre o preço base. Outra ideia foi a concentração da cobrança
na refinaria, com eliminação do imposto nas fases seguintes da comercialização.
O presidente mencionou também uma possível diminuição do PIS/Cofins. Nesse
caso, a solução ficaria no âmbito federal.
Todas
essas propostas são baseadas numa confusão grosseira. O presidente parece
incapaz de perceber alguns fatos básicos sobre o mercado. Os preços de petróleo
e derivados, assim como os de outras commodities, como soja, trigo e minério de
ferro, são determinados, em primeiro lugar, pelas condições internacionais de
oferta e demanda. Quando trazidos ao mercado interno, esses preços ainda são
afetados pela taxa de câmbio – basicamente, pela cotação do dólar. Com ou sem
impostos, é esse o processo básico.
Como
qualquer outra empresa envolvida no mercado de commodities, a Petrobrás deve
seguir o jogo internacional e a partir daí fixar seus preços. O presidente
Bolsonaro já tentou intervir na política de preços da companhia. Basicamente
errada, essa interferência é mais grave quando se trata de uma empresa de
capital aberto, com ações negociadas em bolsa. Ele parece haver percebido o erro,
mas de forma incompleta. Continua falando sobre preços, demagogicamente, e
impondo novos sustos ao mercado.
Sem
poder controlar os preços da Petrobrás, o presidente procura mexer na
tributação, como se impostos causassem a alta de preços. Podem até causar,
quando as alíquotas são aumentadas, mas nada parecido com isso ocorreu no caso
dos combustíveis.
Além
de grosseira, a ideia de mexer na tributação é perigosa. Estados e poder
central dependem de tributos para funcionar. Diminuir um imposto sem cuidar de
alguma compensação – aumento de outra receita ou redução de gastos – pode ser
desastroso. Mas isso é um tema de administração, assunto estranho às
preocupações e à competência do presidente Bolsonaro.
Ele
só tem razão quanto a um ponto. O ICMS e outros impostos indiretos são muito
altos. Mas para mexer nisso será preciso reformar o sistema e dar maior peso
aos tributos diretos, principalmente ao Imposto de Renda. Mas esperar do
presidente algum conhecimento dessas questões também é otimismo excessivo. Já seria
bom se alguém, no seu entorno, tentasse conter seus impulsos mais perigosos.
Recordes de abstenção no Enem – Opinião | O Estado de S. Paulo
Número
de ausências no exame digital foi ainda maior que no exame impresso
Realizada nos dois últimos domingos em 104 cidades espalhadas pelo País, a primeira edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por meios virtuais surpreendeu pelos altíssimos índices de abstenção. A exemplo do que ocorre com a prova impressa, realizada nos dias 17 e 24 de janeiro, as notas do Enem digital são levadas em conta pelo Sistema de Seleção Unificada, que oferece vagas em universidades federais.
No
primeiro dia da prova virtual, realizada em 31 de janeiro, compareceram só 34,5
mil dos mais de 93 mil inscritos – uma abstenção de 68,1%. Com um índice de
73,9%, São Paulo foi o Estado com o maior número de ausentes. Mesmo no Estado
que registrou o menor número, o de Tocantins, a abstenção foi de 58,1% – um
número preocupante. No segundo dia de prova virtual, realizada no último domingo,
a abstenção foi de 71,3% do total de inscritos. Na aplicação da prova impressa,
o Enem já havia apresentado uma abstenção de 51,5%, no primeiro domingo, e de
55,3%, no segundo. Esses números foram os mais altos desde a criação do exame,
em 1998.
Na
prova impressa, o altíssimo índice de abstenção decorreu de problemas
logísticos elementares. Como o Ministério da Educação (MEC) não cumpriu as
regras de distanciamento e não ofereceu instalações escolares em número
suficiente para atender todos os inscritos, muitos alunos não puderam entrar
nos locais das provas por causa da superlotação das salas de aula. Já no Enem
digital o alto índice de abstenção foi ocasionado por dois fatos. Em primeiro
lugar, as provas foram aplicadas apenas em algumas cidades, num país de
dimensão continental. Assim, por residir em cidades distantes dos locais de
prova e por causa da redução da frequência dos transportes coletivos, muitos
inscritos chegaram depois que as portas já haviam sido fechadas. Em segundo
lugar, como o sistema de informática travou em alguns locais, muitos não
conseguiram acessar as perguntas e desistiram da prova.
Para
evitar prejuízos para os inscritos que não conseguiram fazer as provas nas duas
versões do Enem por problemas logísticos e para os alunos que enviaram laudos
médicos provando que estavam doentes naquelas datas, o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo Enem, aplicará
uma nova prova nos dias 23 e 24 de fevereiro, apenas na versão impressa. Essa é
uma medida sensata, mas só resolve um problema meramente conjuntural.
O
maior problema está no fato de que a área técnica do Inep deverá enfrentar mais
dificuldades do que imaginava para fazer no prazo estabelecido as mudanças
estruturais que vinha planejando para o Enem. Uma das ideias é extinguir em
2025 a prova impressa, que é composta por quatro cadernos de questões, com 45
perguntas cada um e uma redação, tornando a prova digital a única versão do
Enem a partir de 2026. Outra ideia é deixar de realizar somente uma prova por
ano, como ocorre atualmente, por causa das dificuldades logísticas, para
aplicá-la diversas vezes em um curto período de tempo, aproveitando o
desenvolvimento da tecnologia de comunicação.
Por
mais que a área técnica do setor educacional do governo esteja trabalhando com
afinco nessas mudanças, resistindo a pressões políticas e ideológicas do
Palácio do Planalto, o fato é que a imagem do Enem sai bastante arranhada por
causa dos problemas ocorridos neste ano. Foram tantos que incluem até uma
polêmica alteração no gabarito das respostas com relação a duas questões que
abordavam racismo. Por razões não explicadas, as respostas corretas foram
substituídas por outras de viés ideológico. Mas, assim que o caso veio à tona,
o MEC recuou e restabeleceu as respostas previstas.
Apesar
de sua importância, o Enem, em suas sucessivas edições, sempre apresentou algum
tipo de problema. Mas, diante da inépcia do governo Bolsonaro, era inevitável
que esses problemas se multiplicassem, o que explica os assustadores índices de
abstenção nas provas escrita e digital de 2020.
Prioridade perversa – Opinião | Folha de S. Paulo
Sobrou
verba para a cloroquina, enquanto Planalto negligencia testes e vacinas
Avolumam-se
as evidências de que o governo Jair Bolsonaro deturpou de modo deliberado o
enfrentamento da pandemia. Não bastassem seguidas as manifestações minimizando
riscos da infecção e a sabotagem da vacinação, o presidente deixou várias
digitais na promoção de uma terapia inexistente contra o ataque viral.
Bolsonaro
seguiu perversamente Donald Trump ao adotar como prioridade a cloroquina do
famigerado tratamento precoce. O republicano abandonou a panaceia antes de seu
fiasco eleitoral, mas o imitador sul-americano a manteve, impávido, mesmo com
estudo após estudo a negar-lhe eficácia.
Acossados
por investigações e questionamentos da Procuradoria-Geral da República e do
Tribunal de Contas da União, o presidente e um tragicômico ministro da Saúde,
general Eduardo Pazuello, agora se apressam a recontar a história: o governo só
teria respeitado a autonomia de médicos.
Não
há carência de imagens do mandatário e do general posando com caixinhas do
remédio, porém. Tampouco faltam registros oficiais da mobilização de
ministérios, Forças Armadas e outros órgãos da máquina federal na prática de
charlatanismo, como mostrou reportagem
publicada pela Folha.
Cinco
pastas se viram convocadas para a operação diversionista: Saúde, Defesa,
Economia, Relações Exteriores e Ciência e Tecnologia.
Quase
6 milhões de comprimidos da droga inócua foram enviados ao Nordeste e ao Norte,
seguidos de admoestações a autoridades amazonenses por não os usarem no trágico
surto em Manaus, onde o que faltava era oxigênio.
O
Exército se pôs a fabricar 3,2 milhões de drágeas, e a Aeronáutica, a
transportá-las, a pedido da Defesa; isenções de impostos foram baixadas pela
Economia; a Saúde lançou guias e aplicativos prescrevendo a cloroquina; o
Itamaraty obteve 2 milhões de doses dos EUA; o Ministério da Ciência e Tecnologia
patrocinou estudos.
Todo
esse empenho governamental para viabilizar a ficção ignorante de Bolsonaro
contrasta com o desvio da obrigação de financiar, propagar e coordenar
prioridades efetivas como distanciamento social, testagem em massa, rastreamento
de contaminados, aquisição de vacinas e vigilância genômica (com sequenciamento
dos vírus em circulação).
Em
vez disso temos vacinação atrasada, aglomerações em alta, milhões de testes a
perder a validade, rastreamento pífio e falta de insumos para geneticistas
monitorarem as variedades do vírus.
É
desastre que não se explica somente por incompetência, mesmo uma de dimensões
incomuns.
Repressão indiana – Opinião | Folha de S. Paulo
Reação
a protestos de agricultores atinge jornalistas, em escalada autoritária
Com
uma força de trabalho ainda majoritariamente rural, a Índia tornou-se palco,
nos últimos meses, de imensas manifestações
de agricultores contra mudanças legislativas do setor, no que já
configura um dos maiores desafios ao governo do primeiro-ministro Narendra Modi
desde de sua chegada ao poder, em 2014.
Os
trabalhadores se insurgem contra três projetos de lei do Executivo com o
objetivo de remodelar a atividade, que responde por 15% da economia indiana.
De
inspiração liberal, os novos diplomas afrouxam as regras sobre a venda, o preço
e o armazenamento de produtos agrícolas, que durante décadas protegeram o
setor, e buscam incentivar a venda dos alimentos a empresas privadas.
A
promessa de que as medidas propiciarão crescimento da renda não convenceu os
agricultores, em sua maioria pequenos proprietários. Eles temem ser esmagados
pelas corporações, já que, atualmente, vendem a maior parte de seus produtos em
mercados atacadistas controlados pelo governo, com preços mínimos garantidos.
O
embate dos manifestantes, que acamparam pacificamente nos arrabaldes de Nova
Déli por mais de dois meses, mudou de patamar no fim de janeiro. No Dia da
República, o protesto se tornou violento depois que agricultores avançaram com
tratores sobre barreiras da polícia. Houve confronto, e um trabalhador terminou
morto.
O
governo respondeu com dureza. Eletricidade e fornecimento de água foram
interrompidos de forma intermitente nos acampamentos; a internet foi cortada.
As
medidas, porém, logo extrapolaram esse alvo, e autoridades dirigiram sua
ofensiva também contra a imprensa e políticos da oposição. Jornalistas envolvidos
na cobertura dos protestos foram acusados de crimes como sedição, criar
inimizade entre grupos, provocação contra a paz, conspiração e desrespeito a
sentimentos religiosos.
Embora
reações dessa natureza não sejam exatamente novidade na história indiana,
analistas afirmam que a repressão vem recrudescendo no governo de Modi, quando
as acusações de sublevação feitas a vozes opositoras cresceram
exponencialmente, como forma de intimidação.
Tais
ameaças explícitas à liberdade de expressão se juntam, assim, à controversa
agenda nacionalista do premiê, que busca marginalizar os muçulmanos e tornar a
Índia uma nação de supremacia hindu —uma combinação corrosiva para a democracia
do país.
Ritmo lento da vacinação retarda a recuperação – Opinião | Valor Econômico
Cresce
a chance de recuo da economia do Brasil e da zona do euro no primeiro trimestre
Na
semana passada o mundo comemorou já ter aplicado mais vacinas anti-covid-19 do
que o número total de casos confirmados de infecção desde o início da pandemia.
As doses distribuídas somaram mais de 105 milhões, acima dos 104 milhões de
casos. Apesar de o número de infectados estar subnotificado, não deixa de ser
um feito o avanço da vacinação, logo após a criação de imunizantes em tempo
recorde.
Junto
com as vacinas veio a expectativa de que a economia iria finalmente melhorar,
animando as pessoas a consumirem e as empresas a investirem e contratarem
funcionários - enfim, que o mundo iria retomar a normalidade.
Em
pouco tempo, porém, constatou-se que a produção global de imunizantes é
insuficiente para atender à gigantesca demanda mundial. Para complicar,
surgiram novas cepas do vírus, mais contagiosas, pondo em xeque a eficiência
das vacinas. Quanto maior o espalhamento, ou menor o ritmo de vacinação,
maiores são as chances de aparecerem as variantes. Parece que o ano novo não
começou. Esses problemas estão emperrando a recuperação da economia neste ano.
Em consequência, as previsões de crescimento estão sendo ajustadas para baixo
em todas as partes.
Banqueiros
aprendizes de infectologistas passaram a aplicar seus conhecimentos de
matemática financeira para avaliar o ritmo da vacinação e confrontar as
promessas dos governos. O governo brasileiro, por exemplo, diz que 10% da
população estará imunizada até março e chegará a 50% entre março e abril. Na
contabilidade de Brasília, o país conta com 354 milhões de doses, suficientes
para proteger 83% da população. No entanto, demonstrando que nem tudo funciona
no ritmo imaginado, o primeiro lote de insumo da China para a produção da
vacina Oxford/ Astrazeneca pela Fiocruz, que era esperado desde janeiro, chegou
apenas sábado - atraso ora justificado pelas relações diplomáticas desastrosas
do governo Bolsonaro com Pequim, ora por misteriosas questões burocráticas.
Dadas
as dificuldades já experimentadas também pelo Instituto Butantan com envios de
apenas parte das encomendas feitas e atrasos nas remessas, além da demora na
aprovação dos produtos, as previsões do mercado financeiro são mais cautelosas.
Bancos e corretoras preveem que a população acima de 60 anos estará vacinada em
até quatro meses, e apenas metade dos brasileiros até o fim do ano - se houver
vacina. A sonhada imunidade de rebanho ficaria para 2022, na hipótese mais
otimista.
Mas
nem todas as doses necessárias estão garantidas. Há uma renhida disputa global
pela vacina e indústrias farmacêuticas enfrentam dificuldades. Sem falar que o
Brasil demorou a se movimentar no mercado e deixou o processo de imunização
solto, entregue a cada município. Em consequência, há diferenças nas listas de
prioridades e na reserva da segunda dose, com consequências negativas no avanço
da vacinação, apesar da conhecida experiência do Brasil na área.
Dados
do projeto Our World In Data, da Universidade de Oxford, informam que o Brasil
vacinou até domingo 1,7% da população contra a covid-19. Outros países latinos
que começaram antes até estão atrás, como a Argentina com 0,8%. Já nações ricas
como Estados Unidos, Reino Unido, Israel e Emirados Árabes Unidos, estão na
frente e podem chegar aos 70% que assegura a imunidade de rebanho ainda neste
ano, até porque se mobilizaram antes para encomendar suas doses de vacina,
abrindo espaço para a retomada das atividades. Os EUA estão com 9,4% da
população vacinada e o Reino Unido, com 17,7%. Já a União Europeia está atrás,
com cerca de 3%.
O
ritmo diferente de vacinação vai determinar a expansão heterogênea da economia.
No caso do Brasil, alguns bancos já revisaram para baixo a previsão de
crescimento neste ano de 3,4% para 2,9%, praticamente o carregamento
estatístico de 2020. O consumo fraco neste início de ano reforça a revisão (Valor, 8/2). A economia dos EUA
poderá crescer 5,1% este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI),
mas a recuperação da zona do euro e das economias em desenvolvimento ficou mais
incerta. Já se fala em recessão na zona do euro no primeiro trimestre, assim
como no Brasil.
Há dúvidas também a respeito da viabilidade de algumas regiões continuarem crescendo enquanto seus mercados consumidores ou fornecedores de matérias-primas seguem fechados em consequência da pandemia. Afinal, no mundo todo, apenas 1,3% da população está vacinada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário