terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Andrea Jubé - Em política, fundo do poço tem mola

- Valor Econômico

Grupo de Renan venceu Alcolumbre em palco secundário

As velhas raposas do Congresso ensinam que se pode cobrar quase tudo de um político no cemitério: que conforte a viúva, segure uma das alças do caixão, encomende a coroa de flores. Só não se pode exigir desse político que pule no buraco e se aconchegue do lado do morto.

Político tem instinto de sobrevivência como os animais. Um decano do Congresso ilustra, por exemplo, um erro de articulação de amador cometido pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao tentar atrair deputados para o bloco de Baleia Rossi (MDB-SP) no papel de franco atirador contra o presidente Jair Bolsonaro.

Este político veterano lembra que os deputados no segundo biênio do mandato estão focados na reeleição. Por isso, não querem confronto com o governo - qualquer governo.

Ao contrário, procuram afinar a relação com o Executivo para assegurar emendas para sua base eleitoral, fidelizar prefeitos, e assim, pavimentar o caminho para o sucesso nas urnas.

Convencer um parlamentar a brigar com o governo a dois anos de sua reeleição é o mesmo que convidá-lo para saltar no buraco e se aconchegar ao morto dentro do caixão. Na vida real, discurso de independência na relação com o Executivo é conversa para boi dormir.

Um dos políticos mais experientes da cena política, o ex-senador Heráclito Fortes, do DEM do Piauí - um quadro que conviveu com figuras como Ulysses Guimarães e Eduardo Campos - costuma lembrar que, em política, fundo de poço - ou de buraco - tem mola.

Seu partido agonizou na era Lula, e emergiu como uma das principais forças políticas do último pleito. Independente do embate público entre Rodrigo Maia e ACM Neto, o DEM voltou com protagonismo ao palco político.

A metáfora do poço com mola no fundo vale para o MDB de Renan Calheiros (AL) no Senado. O observador distraído dirá que a bancada perdeu pela segunda vez a luta contra Davi Alcolumbre (DEM-AP) pela presidência da Casa. Mas um observador atento alertará que Renan ganhou a revanche contra Alcolumbre no fundo do palco.

O grupo de Renan derrotou um importante aliado de Alcolumbre na eleição para a primeira vice-presidência, o segundo cargo na hierarquia do Senado.

Num segundo “round”, o grupo liderado por Renan mira mais dois cargos estratégicos, com poder de fogo para elevar a pressão contra o governo: a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cobiçada por Alcolumbre; e a presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde.

Nas articulações pelo apoio à candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), um astuto Alcolumbre prometeu a primeira vice-presidência ao PSD e também ao MDB. Os emedebistas dobraram a aposta e levaram a disputa para o voto. Ao fim, Veneziano do Rêgo (MDB-PB) derrotou o aliado de Alcolumbre, o senador Lucas Barreto (PSD-AP), por 40 votos contra 33.

A vitória de Veneziano simboliza a revanche do MDB contra Alcolumbre, ainda que num palco menor, porque o senador da Paraíba representa o grupo autêntico de Renan e José Sarney. Apesar da passagem pelo PSB, Veneziano é um emedebista-raiz, irmão do ex-senador Vital do Rêgo, hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), e aliado de berço de Renan. Vital foi alçado ao TCU pelo voto de 63 senadores em 2014, e mantém até hoje vínculos com a Casa. Vital encabeçou ao lado de Renan a articulação do jantar de reconciliação entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o então presidente Rodrigo Maia no começou de outubro.

Nos próximos “rounds”, o grupo de Renan quer nocautear Alcolumbre na disputa pela presidência da CCJ. E senadores ouvidos pela coluna não descartam que Renan assuma um cargo na CPI da Saúde: a presidência ou a relatoria.

Outro candidato a cargo de direção da CPI é o líder do MDB, Eduardo Braga, senador do Amazonas, e aliado de Renan, que tem demonstrado profunda indignação com o descontrole da pandemia em sua base eleitoral.

Com o MDB com fôlego renovado, Rodrigo Pacheco terá de demonstrar a mesma destreza que utilizou para atrair o PT para sua candidatura.

Completando uma semana no cargo, vai sofrer dupla pressão nos próximos dias. A pressão de 31 senadores - inclusive Renan e Braga - pela leitura do requerimento de criação da CPI da Saúde, que abre caminho para a instalação do colegiado.

Autor do requerimento da CPI da Saúde, o líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP), receia que Pacheco tentará adiar a leitura do requerimento até a realização da audiência para ouvir o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na esperança de que a temperatura baixe até lá.

O governo ainda pode agir para retirar assinaturas da CPI até meia-noite do dia da leitura, mas Randolfe não acredita em recuo dos senadores que apoiaram a investigação dos erros e responsabilidades das autoridades no enfrentamento da pandemia, em especial no Amazonas. “Quem retirar a assinatura vai pagar um preço além do comum junto à sociedade”, diz Randolfe.

Em outro foco de pressão sobre Pacheco, Bolsonaro tem de decidir até o fim do mês sobre o pedido da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de veto ao artigo que fixou prazo de cinco dias para que a agência se manifeste sobre uso emergencial das vacinas, e possa chancelá-las, caso tenham sido autorizadas por uma das nove autoridades sanitárias estrangeiras relacionadas na lei.

Se o veto se consumar, o Congresso já está armado para derrubá-lo, em sessão que será presidida por Pacheco.

Se há controvérsia em torno da eleição da deputada Bia Kicis (PSL-DF) para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), está praticamente certa a nomeação do deputado Darci de Matos (PSD-SC) para relatar a PEC da reforma administrativa no colegiado. O presidente Arthur Lira (PP-AL) já elencou a proposta entre os itens prioritários da agenda econômica. Mudando regras apenas para os futuros servidores, lideranças da Casa acreditam que a matéria pode avançar.

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