- Valor Econômico
Dados de emprego são falhos para prever os
preços dos serviços
O Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central parece estar ainda com muitas dúvidas sobre como vai se comportar
a inflação daqui por diante, a julgar pelo que andaram dizendo alguns de seus
membros nas última semanas.
Numa live do banco Credit Suisse, o diretor
de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, abriu o jogo sobre as duas
frentes que podem fazer a inflação subir ou descer: as pressões de oferta e de
demanda. Em ambos os casos, pode haver surpresas, para o bem ou para o mal.
Do lado da oferta, ele citou a alta dos preços das commodities em geral e, em particular, do petróleo, que ocorreu em paralelo com uma depreciação cambial. O diagnóstico do Copom é que essa alta é temporária, ou seja, a inflação sobe, mas depois desce. O nível de preços da economia ficaria mais alto e a população teria uma perda de renda real ao fim desse processo, mas lá adiante a inflação voltaria para a meta, que é a forma comum de julgar o trabalho dos BCs.
Serra, porém, mencionou a possibilidade de
recuo dos preços. Ele apresentou um gráfico com o índice de cotações de
commodities, o chamado CRB, corrigido pela inflação do consumidor e pela taxa
de câmbio. No começo do século, esse indicador esteve mais alto, mas durante 15
anos, até 2019, ficou bastante estável. Mais recentemente voltou a subir
bastante. “A tendência é que esse tipo de choque tenha uma reversão à média”,
disse Serra. “Ou pelo menos que tenha uma estabilidade. É difícil extrapolar
esse choque no tempo.”
Serra apresentou, ainda, a tese de que a
alta das commodities é um choque de oferta, mas que não pode se separar do
choque de demanda que ocorreu durante a pandemia. O pagamento de auxílios
emergenciais ao redor do mundo aumentou a renda disponível das famílias. E as
famílias, impedidas de consumir serviços, deslocaram parte da demanda para
bens. Com o avanço da vacinação e a reabertura das economias, isso tende a
mudar de direção. “As pessoas vão voltar a consumir serviços e reduzir um pouco
em bens”, disse o diretor do BC.
O diagnóstico de Serra parece muito
otimista? Não tanto, considerando a visão dele sobre outro fator central para
determinar se a inflação, hoje muito alta, volta ou não para a meta sem um
aperto maior nos juros: os preços dos serviços.
Ele apresentou um gráfico que mostra uma
forte correlação entre a inflação de serviços 12 meses atrás com a inflação de
serviços 12 meses à frente. O recado, basicamente, é que se a inflação de
serviços foi baixa, continuará baixa. Hoje a inflação está baixa e, em tese, seguira
baixa no futuro.
Mas essa relação não é tão simples assim.
Serra lembrou que, no fim das contas, o que determina a inflação de serviços é
o nível de ociosidade da economia. “Aqui a gente tem um problema”, reconheceu.
O Banco Central não sabe ao certo medir o pulso do mercado de trabalho, depois
que houve mudança na coleta dos dados do Caged e da Pnad Contínua, os dois
principais termômetros do mercado. O BC está procurando entender o que, de
fato, está acontecendo. “É muito difícil, a gente está tentando”, admite.
“Sendo otimista com o mercado de trabalho,
a gente vai ter que olhar com cautela os [preços] de serviços”, ponderou.
“Sendo pessimista, a gente pode imaginar que os serviços vão ter uma
dificuldade maior para recuperar os preços.”
Essa não é uma dúvida só do BC. O
questionário pré-Copom mostra projeções do mercado de preenchimento da
capacidade ociosa da economia que vão deste ano até 2024.
O resumo é que, hoje, membros do Copom têm
muitas dúvida sobre os principais fatores que afetam a inflação e,
provavelmente, também sobre onde vão parar os juros mais para o fim do ano.
*****
As discussões sobre as razões da taxa de câmbio desvalorizada viraram um Fla x Flu, opondo os defensores da tese de que o juro baixo é o principal motivo e, de outro, os defensores de que a culpada é a política fiscal.
A consultoria MB Associados, que tem como
economista-chefe Sergio Vale, fez um estudo com um modelo bem simples, mas que
mesmo assim tem o mérito de olhar o conjunto mais amplo de variáveis para
determinar o peso de cada uma.
Os resultados apoiam os argumentos dos que
dizem que é o fiscal que pesa no câmbio fraco. Um exercício contrafactual
verifica que o dólar estaria em R$ 4,71 se a dívida bruta do governo geral
estivesse em 77% do Produto Interno Bruto (PIB), em vez de rondar os 90% do
PIB.
Uma das novidades do modelo utilizado pela
MB Associados foi justamente olhar também uma outra variável para observar o
risco fiscal, no caso a dívida bruta, além do CDS, tradicionalmente usado. São
muitas as críticas dos economistas em relação ao CDS, em parte pela liquidez
restrita desse mercado.
A MB Associados utiliza como variáveis
explicativas do câmbio o diferencial de juros e de inflação internos e
externos, o CDS, os preços de commodities e a expectativa da taxa de câmbio. Em
geral, os modelos costumam considerar apenas taxas de juros, CDS e inflação. De
certa forma, as commodities estão na inflação, mas têm também um peso no câmbio
por outros canais, como a balança comercial.
O resultado é que uma alta de juros de um
ponto percentual provoca uma apreciação cambial de 0,81%. Já uma alta de um
ponto percentual na dívida bruta tem um impacto de 0,32% no sentido da
desvalorização. Note que o coeficiente dos juros é mais alto, mas a alta da
dívida bruta foi bem maior do que a alta da Selic. Commodities têm um coeficiente
de 0,25, e o CDS, de 0,17.
O estudo também deu uma olhada em como
esses coeficientes mudam ao longo do tempo. No caso da dívida pública, saltou
de perto de 0,1 em 2016 para os atuais 0,32, o que equivale a dizer que esse
fator se tornou mais importante para explicar o câmbio ao longo do tempo. Já
nas commodities, a direção foi inversa, de cerca de 0,4 para os atuais 0,25.
O estudo não é o único que procura olhar muitas variáveis Nenhum deles, certamente, acaba com a controvérsia, mas eles contribuem por injetar consistência quantitativa nesse debate com posições arraigadas.
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