- O Globo
"Regozijem-se os campos e tudo o que
neles há. Cantem de alegria, todas as árvores da floresta." (Salmos, 96:
12)
Dessa forma, o delegado Alexandre Saraiva
comemorou o afastamento de dez funcionários do Ministério do Meio Ambiente e a
batida policial nos escritórios do ministro Ricardo Salles.
Saraiva estava feliz com a Operação
Akuanduba, realizada por outro delegado, Franco Perazzoni, que, como ele,
também é especializado no tema, com doutorado em meio ambiente.
O delegado Saraiva havia denunciado Ricardo
Salles por ter atuado na tentativa de liberar um grande carregamento de madeira
ilegal, apreendida por ele. A denúncia lhe valeu o afastamento do cargo. E
ainda é muito audacioso, no governo Bolsonaro, denunciar um ministro que se
associe a bandidos ambientais travestidos de empresários.
A denúncia de Saraiva foi parar nas mãos da
ministra Cármen Lúcia, que a enviou para a PGR e, lá, adormeceu na gaveta de
Augusto Aras. Acontece que, correndo por fora, numa outra investigação, o
delegado Franco Perazzoni investigava algo parecido, as alterações de normas do
Ibama para favorecer madeireiros.
Ricardo Salles, na célebre reunião em que falou em passar a boiada, aproveitando-se da pandemia, revelou seus métodos. É preciso uma caneta, dizia ele, e um parecer. Caneta sem parecer dá cana.
Acontece que alterar normas, substituir
funcionários e colocar alguém que lhe escreva o parecer também podem dar cana.
A investigação brasileira que já existia
foi fortalecida com informações de um agente do United States Fish and Wildlife
Service, que detectou as exportações ilegais para os EUA, algumas no Porto de
Savannah, na Geórgia.
Graças a essa cooperação internacional, o
delegado Perazzoni avançou nas investigações, e o ministro Alexandre de Moraes
afastou os funcionários, inclusive o presidente do Ibama.
É uma festa na floresta. Em primeiro lugar,
por saber que a PF tem quadros especializados como Saraiva e Perazzoni, capazes
de defender a floresta e conhecedores dos métodos da corrupção normativa,
proclamados abertamente por Ricardo Salles.
Em segundo lugar, por saber que um serviço
como o Fish and Wildlife americano está jogando também do lado da Floresta
Amazônica, o que nos enche de esperança sobre a cooperação futura. Nossos
interlocutores agora são Biden e John Kerry, acabou a era Trump por lá.
Salles não caiu, apesar de tudo. Bolsonaro
está com ele e, no fundo, acha também que normas de proteção da floresta
deveriam ser atropeladas.
Tenho escrito muito sobre a política
destruidora do governo Bolsonaro, mas sempre a tratei como uma visão retrógrada
da maneira de produzir e consumir. Ela fundamenta ódio à floresta e aos povos
tradicionais que a mantêm de pé.
Víamos apenas barbárie numa política que,
entre outros, protege desmatadores e garimpeiros ilegais.
Duas crianças ianomâmis morreram vítimas
dessa barbárie, quando garimpeiros atiraram contra os índios no dia 10 de maio.
As mortes na floresta às vezes passam em branco, num contexto de pandemia, em
que todos se concentram nas mentiras que são contadas na CPI.
A operação Akuanduba trouxe, além de um fio
de esperança, algumas lições. A PF que defende as leis ambientais precisa ser
valorizada. O próprio Alexandre Saraiva deveria ser reconduzido a seu posto. É
um quadro valioso.
Assim como tivemos cooperação norte-americana
ao denunciar a madeira ilegal, é preciso que deputados brasileiros acionem o
Parlamento Europeu para obter o mesmo comportamento dos fiscais de lá.
As chances de preservar a floresta dependem
também dessas articulacões internacionais. É preciso que todos passem da
retórica à ação. Só assim poderão cantar todas as árvores que restam na
Floresta Amazônica e nos outros biomas brasileiros.
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